1.Constrangimento
ilegal – Art.146.
1.1
Bem jurídico tutelado
O bem jurídico protegido é a liberdade
individual ou pessoal de autodeterminação, ou seja, a liberdade do indivíduo de
fazer ou não fazer o que lhe aprouver, dentro dos limites da ordem jurídica. Assegura-se,
assim, ao indivíduo o direito de fazer tudo o que a lei não proibir, não
podendo ser obrigado a fazer senão aquilo que a lei lhe impuser.
A
liberdade que se protege é a psíquica (livre
formação da vontade, isto é, sem coação) e a física, ou seja, liberdade de movimento.
1.2
Sujeitos do crime
O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa,
não requerendo nenhuma qualidade ou condição particular; cuida-se, pois, de
crime comum. Tratando-se, contudo, de funcionário
público, desde que no exercício de suas funções, o crime praticado
poderá ser, de acordo com as circunstâncias, não este, mas qualquer outro,
como, por exemplo, os arts. 322 e 350 do CP, o art. 3º da Lei n. 4.898/65 etc.
Sujeito passivo pode ser qualquer pessoa, desde que capaz de sentir a
violência e motivar-se com ela;
em outros termos, é necessária a capacidade
de autodeterminação, ou seja, a capacidade de conhecer e se
autodeterminar de acordo com esse conhecimento. Assim, estão excluídos os
enfermos mentais, as crianças, os loucos de todo gênero etc.
Quando
o constrangimento for praticado
contra criança, constituirá o
crime descrito no art. 232 da Lei n. 8.069/90 (ECA), desde que esta se encontre
“sob sua autoridade, guarda, ou vigilância”. Essa previsão minimiza aquele
entendimento de que incapaz não pode ser sujeito passivo desse crime.
Atentar
contra a liberdade do Presidente da República ou os Presidentes dos demais
Poderes, Legislativo (Senado e Câmara) e Judiciário constitui crime contra a
segurança nacional (art. 28 da Lei n. 7.170, de 14-12-1983).
1.3
Tipo objetivo: adequação típica
O
núcleo do tipo é constranger,
que significa obrigar, forçar, compelir, coagir alguém a fazer ou deixar de
fazer alguma coisa a que não está obrigado. A finalidade pretendida pelo
constrangimento ilegal pode ser qualquer prestação de ordem pessoal, moral,
física, psíquica, social ou de qualquer natureza, profissional, econômica,
comercial, jurídica etc., desde que não constitua infração penal.
A
conduta típica pode apresentar-se sob duas modalidades:
a)fazer o que a lei não obriga;
b) não fazer o que ela permite.
Na primeira
hipótese, a vítima é forçada a
fazer alguma coisa: um cruzeiro, um passeio, uma cirurgia etc. Na segunda
hipótese, a conduta do agente impõe uma omissão
da vítima em relação a alguma coisa, sem exigência legal.
Se o constrangimento visar pretensão legítima do sujeito passivo,
poderá caracterizar o crime do art. 345. Na verdade, se a finalidade pretendida
pelo sujeito passivo pode ser obtida em juízo, que preferiu consegui-la
coativamente, a tipificação de sua conduta desloca-se para os crimes contra a
Administração da Justiça, qual seja, “exercício arbitrário das próprias razões”
(art. 345).
1.4 Formas ou meios de execução
A lei
estabelece as seguintes formas de realização do constrangimento ilegal:
(a)
mediante violência (força
física, real),
(b) grave ameaça (violência moral,
intimidação, vis compulsiva) ou
(c) qualquer outro meio (ingestão de
álcool, drogas, hipnose etc.), reduzindo
a capacidade de resistência da vítima.
1.5
Tipo subjetivo: adequação típica
O elemento subjetivo, geral, é o dolo,
que é representado pela vontade e
a consciência de constranger a
vítima, mediante violência ou grave ameaça, a fazer o que a lei não determina
ou não fazer o que ela manda. A consciência
deve abranger a ilegitimidade da ação, dos meios escolhidos (violência
ou grave ameaça) e a relação de causalidade entre o constrangimento e a ação ou
omissão do sujeito passivo, sendo irrelevantes os motivos determinantes, com
exceção daqueles que excluem a antijuridicidade da conduta. O dolo poderá ser
direto ou eventual.
1.6
Consumação e tentativa
Consuma-se o
crime de constrangimento ilegal quando o ofendido faz ou deixa de fazer aquilo
a que foi constrangido. Assim, consuma-se
o crime quando o constrangido,
em razão da violência ou grave ameaça sofrida, começa a fazer
ou não fazer a imposição do sujeito ativo. Enquanto o coagido não ceder à vontade
do sujeito ativo, isto é, enquanto não der início ao “fazer ou não fazer”, a violência ou grave ameaça podem
configurar somente a tentativa.
1.7
Formas majoradas (§ 1º)
1.7.1 Reunião de mais de três pessoas
Será
necessário que, no mínimo, quatro pessoas tenham participado da fase executória do crime,
incluindo-se nesse número o próprio autor principal, se houver, menores e
incapazes.
1.7.2 Emprego de armas
Armas —
não significa mais de uma, mas somente gênero;
não se ousou contestá-lo, e até hoje se repete a mesma coisa.
2. Ameaça
– Art. 147.
2.1
Bem jurídico tutelado
O bem jurídico protegido, a exemplo do
crime de constrangimento ilegal, é
a liberdade pessoal e individual de autodeterminação, isto é, a liberdade
psíquica do indivíduo, que será abalada pelo temor infundido pela ameaça. A
ameaça de um mal injusto e grave perturba a tranquilidade e a paz interior do
ofendido, que é corroída pelo medo, causando-lhe insegurança e desequilíbrio
psíquico e emocional. O que se viola ou restringe, no crime de ameaça, não é propriamente uma
vontade determinada, mas a liberdade de elaborar seus pensamentos.
2.2
Sujeitos do crime
Sujeito ativo pode
ser qualquer pessoa, não requerendo nenhuma qualidade ou condição particular,
tratando-se, pois, de crime comum.
Sujeito passivo pode ser qualquer pessoa física, desde que seja capaz de
sentir a idoneidade da ameaça e motivar-se
com ela, atemorizando-se; em outros termos, é necessária a capacidade de conhecer e de se
autodeterminar de acordo com esse conhecimento.
2.3
Tipo objetivo: adequação típica
Ameaçar significa
procurar intimidar, meter medo em alguém.
Medo é
um sentimento cuja valoração é extremamente subjetiva e pode variar de pessoa para pessoa, de situação para
situação.
Se o
“mal” for justo ou não for grave, não constituirá o crime.
A ameaça para constituir o crime tem de
ser idônea, séria e concreta, capaz de efetivamente impingir medo à vítima.
Formas
de ameaça
-Direta: o que ocorre quando o mal
prometido visa à pessoa ou ao patrimônio do ameaçado.
-Indireta: quando recai sobre pessoa presa
ao ofendido por laços de consanguinidade ou afeto (intimidar a mãe, por um mal
ao filho; a esposa, por um dano ao cônjuge).
-Explícita: quando feita às claras,
abertamente, sem subterfúgios: dizer a alguém que vai matá-lo; exibir-lhe uma
arma em tom ameaçador etc.
-Implícita: quando
o sentido está subentendido ou incluso: ‘Costumo
liquidar minhas questões com sangue’ etc.
-Condicional: quando dependente de um
fato do sujeito passivo ou de outrem: ‘Se
repetir o que disse, eu lhe parto a cara’; ‘Se fulano me denunciar, eu matarei
você’.
Os meios enumerados pela lei englobam
praticamente todas as possíveis formas de sua realização:
a) por palavra (oral) — que pode ser
diretamente, por telefone ou até mesmo gravada;
b) escrito — relativamente ao escrito é
indiferente que seja assinado, anônimo ou com pseudônimo;
c) gesto (mímica) — determinados gestos ameaçadores
podem simbolizar uma gravidade muito mais intensa da ameaça que as próprias
palavras ou escrito, como, por exemplo, descobrir uma arma de fogo, ou
apontá-la em direção à vítima etc.;
d) qualquer outro meio simbólico (simbolizada)
— pode materializar-se por meio da exibição de bonecos perfurados com agulha,
“despachos” etc.
A ameaça não se confunde com a simples advertência, porque nesta a
superveniência do mal está condicionada à vontade do agente; não se confunde,
igualmente, com a “praga” ou esconjuro, por duas razões básicas: primeiro,
porque o evento não depende da vontade do
sujeito
ativo ou de alguém que lhe seja submisso; segundo, porque representa simples
desejo ou intenção, e, como dizia Welzel, a vontade má, como tal, não se pune;
só se pune a vontade má realizada.
2.4
Tipo subjetivo: adequação típica
O dolo, que pode ser direto ou
eventual, representado pela vontade e
consciência de ameaçar alguém
de mal injusto e grave, constitui o elemento
subjetivo. A consciência, atual, da injustiça do mal e da sua gravidade
é fundamental para a tipificação da ameaça.
O animus jocandi exclui o dolo.
2.5
Consumação e tentativa
Consuma-se o
crime no momento em que o teor da ameaça chega ao conhecimento do ameaçado. Se
este a desconhece, não se pode dizer ameaçado. Consuma-se com o resultado da
ameaça, isto é, com a intimidação sofrida
pelo sujeito passivo ou simplesmente com a idoneidade intimidativa da
ação.
A tentativa é de difícil configuração,
embora, na forma escrita, haja
quem sustente sua viabilidade.
Como
se trata de crime de ação pública condicionada, isto é, a que somente se
procede mediante representação, destaca Damásio de Jesus, com muita precisão,
que “se o sujeito exerce o direito de representação é porque tomou conhecimento
do mal prenunciado. Se isso ocorreu, o crime é consumado e não tentado”.
2.6
Classificação doutrinária
Trata-se
de crime comum, que pode ser
praticado por qualquer pessoa, pois não exigindo qualquer qualidade ou condição
especial; formal, pois a vítima não precisa sentir-se intimidada: basta a ação
do agente e a vontade de amedrontá-la.
Trata-se
de um crime tipicamente subsidiário
2.7
Ação penal
A ação
penal é pública condicionada à
representação do ofendido. A natureza
da ação penal é pública, mas a iniciativa da autoridade (Polícia, na
fase investigatória, e Ministério Público, para iniciar a fase processual)
depende da provocação (ou aquiescência) da vítima.
3.Sequestro
e cárcere privado – Art. 148.
3.1
Bem jurídico tutelado
O bem
jurídico protegido, neste tipo penal, é a liberdade individual, especialmente a
liberdade de locomoção, isto é,
a liberdade de movimento, do direito de ir, vir e ficar: liberdade de escolher
o local em que se deseja permanecer. Não deixa de ser, em sentido amplo, uma
espécie de constrangimento ilegal, apenas se diferenciando pela especialidade.
A
liberdade, no sentido em que é protegida neste dispositivo, consiste na
possibilidade de mudança de lugar, sempre e quando a pessoa queira.
O consentimento da vítima, desde que
validamente manifestado, exclui o crime. Contudo, tratando-se de bem jurídico
tão elementar como é o direito de liberdade, convém destacar que o efeito
excludente do consentimento da vítima não goza de um absolutismo pleno, capaz de legitimar toda e qualquer supressão
da liberdade do indivíduo. O consentimento
não
terá valor se violar princípios fundamentais de Direito Público ou, de alguma
forma, ferir a dignidade da pessoa
humana.
3.2
Sujeitos do crime
Como se trata de crime comum, sujeito ativo pode ser qualquer pessoa.
Sujeito passivo pode ser qualquer pessoa, independentemente de capacidade de conhecer e de
autodeterminar-se de acordo com esse conhecimento, incluindo-se, portanto, os
enfermos mentais, as crianças de tenra idade, os loucos de todo gênero etc., ao
contrário do que ocorre com os crimes anteriores.
As pessoas
impossibilitadas de locomover-se, por exemplo, paralíticos, aleijados, paraplégicos ou tetraplégicos, também podem ser sujeito passivo deste crime,
pois a proteção legal garante o direito à locomoção, por qualquer meio, e nesse
direito se inclui o direito de ir, vir e ficar, livremente.
Se o
sujeito passivo for criança,
poderá ocorrer um sequestro sui
generis, disciplinado no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em
seus arts. 230, 234 e 235 (Lei n. 8.069/90).
3.3
Tipo objetivo: adequação típica
O
Código Penal não define cárcere
privado nem sequestro, limitando-se
a puni-los igualmente; utiliza as expressões sequestro ou cárcere
privado com sentidos semelhantes, embora, estritamente, se possa dizer
que no cárcere privado há confinamento ou clausura, enquanto no sequestro a supressão da liberdade não
precisa ser confinada em limites tão estreitos. Assim, pode-se encarcerar alguém em um quarto, em
uma sala, em uma casa etc.; e pode-se sequestrar
retirando-o de determinado lugar e levando-o para outro, como para
uma
ilha, um sítio etc.
O
conteúdo material do crime, nas suas modalidades, é a impossibilidade de a
vítima deslocar-se ou afastar-se livremente. Não é necessária a absoluta
impossibilidade de a vítima afastar-se do local onde foi colocada ou retirada
pelo agente, sendo suficiente que não
possa fazê-lo
sem grave risco pessoal. A própria inexperiência
ou ignorância da vítima
sobre as condições do local que lhe possibilitariam fugir não desnatura o
crime.
Configurar-se-á,
igualmente, o crime de cárcere privado
quando, após a privação legítima da liberdade, cessada a legitimidade, prolongue-se,
indevidamente, a privação de liberdade; ou quando, por exemplo, o paciente
recebe alta, mas é retido pela administração por falta de pagamento.
3.4
Tipo subjetivo: adequação típica
O elemento subjetivo é o dolo, que
consiste na vontade livre e consciente de privar alguém de sua liberdade, desde que tenha conhecimento da
sua ilegitimidade, e que pode
ser praticado tanto por meio de sequestro como de cárcere privado.
Se a
finalidade for atentar contra a segurança nacional, constituir á crime
especial, tipificado no art. 20 da Lei de Segurança Nacional (Lei n. 7.170, de
14-12-1983). Se for praticado por funcionário público, constituirá o crime de
violência arbitrária (art. 322). Se o sequestro for meio para a prática de
outro crime, será absorvido pelo delito-fim.
3.5
Consumação e tentativa
Consuma-se
com a efetiva restrição ou privação da liberdade de locomoção, por tempo
juridicamente relevante. Afirma-se que se a privação da liberdade for rápida, instantânea ou momentânea não configurará o crime,
admitindo-se, no máximo, sua figura tentada ou, quem sabe, constrangimento
ilegal.
Crime permanente
Como
crime material, admite a tentativa,
que se verifica com a prática de atos de execução, sem chegar à restrição da
liberdade da vítima.
3.6
Classificação doutrinária
Trata-se
de crime comum, que pode ser
praticado por qualquer pessoa, independentemente de qualquer condição especial;
material, pois produz
transformação no mundo exterior, consumando-se somente com a efetiva privação
de liberdade da vítima; permanente,
pois a ofensa do bem jurídico — privação da liberdade — prolonga-se no tempo, e
enquanto a vítima estiver privada de sua liberdade de locomoção a execução
estar-se-á consumando.
3.7
Formas qualificadas
3.7.1 Se a vítima é ascendente,
descendente, cônjuge ou companheiro do agente
A Lei
n. 11.106/2005 acrescentou nesse parágrafo, como vítima especial, decorrente de
parentesco, a figura do companheiro, sem sentido inovador, procurando apenas
adequar o texto penal ao reconhecimento jurídico da figura do(a)
companheiro(a), independentemente
do
sexo.
3.7.2 Se o crime é praticado mediante
internação da vítima em casa de saúde ou hospital (§ 1º, II)
A
internação da vítima, indevidamente, em casa de saúde ou hospital, reveste-se
de requintada maldade, com a utilização de meio artificioso e fraudulento, não
raro abusando da boa-fé do ofendido.
3.7.3 Se a privação da liberdade dura
mais de quinze dias (§ 1º, III)
O
prolongamento dos crimes permanentes, embora não alterem sua tipificação
inicial, aumenta consideravelmente o sofrimento da vítima e o dano geral que
produz ao ordenamento jurídico em termos genéricos. Na contagem desse prazo,
que é material, inclui-se o dia do começo (art. 10).
3.7.4 Se resulta à vítima, em razão de
maus-tratos ou da natureza da detenção, grave sofrimento físico ou moral (§ 2º)
O §
2º, em razão do maior desvalor do resultado, que pode ir além da simples
privação da liberdade, produzindo grave sofrimento à vítima, comina pena bem
superior, entre dois e oito anos de reclusão.
3.7.5 Vítima menor de dezoito anos
A
despeito de não ser mencionado no texto legal, a menoridade da vítima somente qualifica o crime se estiver
presente na data de sua prática ou execução, ainda que a consumação opere-se
algum tempo depois, ou seja, quando a vítima já tenha ultrapassado essa idade.
3.7.6 Se a finalidade for libidinosa
No
entanto, de forma inadequada, a nova lei incluiu uma qualificadora imprópria,
qual seja, a
“finalidade
libidinosa” do sequestro ou cárcere privado, deslocando essa qualificadora do
Título “Dos crimes contra os costumes” para o “Dos crimes contra a pessoa”.
3.8
Pena e ação penal
A ação
penal é pública incondicionada, não sendo exigida nenhuma condição de
procedibilidade.
4.Redução
a condição análoga à de escravo – Art. 149.
4.1
Bem jurídico tutelado
O bem
jurídico protegido, neste tipo penal, é a liberdade individual. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo fere, acima de tudo, o princípio da dignidade humana,
despojando-o de todos os seus valores ético-sociais, transformando-o em res, no sentido concebido pelos
romanos.
Ao
referir-se a “condição análoga à de escravo”, fica muito claro que não se trata
de “redução à escravidão”, que é um conceito jurídico segundo o qual alguém
pode ter o domínio sobre outrem. No caso em exame trata-se de reduzir “a
condição semelhante a”, isto é, parecida, equivalente à de escravo, pois o status libertatis, como direito, permanece íntegro, sendo, de fato, suprimido.
4.2
Sujeitos do crime
Como se trata de crime comum, sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, não
requerendo nenhuma qualidade ou condição particular.
Sujeito passivo pode ser qualquer pessoa, civilizada ou não, sendo
indiferente a idade, raça, sexo, origem, condição cultural, capacidade jurídica
etc., especialmente agora, quando qualquer discriminação nesse sentido
constitui “crime de racismo” (art. 5º, XLII, da CF e Lei n. 8.459/97).
4.3
Tipo objetivo: adequação típica
Consiste
em submeter alguém a um estado de servidão, de submissão absoluta, semelhante,
comparável à de escravo. É, em termos bem esquemáticos, a submissão total de
alguém ao domínio do sujeito passivo, reduzindo-o à condição de coisa.
Os meios ou modos para a prática do
crime são os mais variados possíveis, não havendo qualquer limitação legal
nesse sentido; o agente poderá praticá-lo, por exemplo, retendo os salários,
pagando os de forma irrisória, mediante fraude, fazendo descontos de
alimentação
e de
habitação desproporcionais aos ganhos, com violência ou grave ameaça etc.
Tipifica-se
o crime, por exemplo, no caso de alguém forçar o trabalhador a serviços pesados
e extraordinários, com a proibição de deixar a propriedade agrícola sem
liquidar os débitos pelos quais era responsável. Não será, contudo, qualquer
constrangimento gerado por eventuais irregularidades nas relações de trabalho
que tipificará esse crime.
4.4
Tipo subjetivo: adequação típica
Embora
se reconheça que, em tese, a liberdade seja um bem jurídico disponível, ao
contrário do que ocorre com o crime de sequestro
e cárcere privado, o consentimento do ofendido, mesmo que validamente
manifestado, não afasta a contrariedade ao ordenamento jurídico, em razão dos
“bens-valores” superiores concomitantes à liberdade, a que acabamos de nos
referir.
A
indisponibilidade, neste crime, não se refere propriamente à liberdade, mas ao status libertatis em sentido amplo,
que abrange aqueles valores dignidade,
amor próprio etc.
4.5
Consumação
Consuma-se
o crime quando o agente reduz a vítima
a condição semelhante à de escravo, por tempo juridicamente relevante, isto
é, quando a vítima se torna totalmente submissa ao poder de outrem.
Em
razão da sua natureza de crime
permanente, este não se configurará se o estado a que for reduzido o
ofendido for rápido, instantâneo ou
momentâneo, admitindo-se, no
máximo, dependendo das circunstâncias, sua forma tentada. Enquanto não for
alterado o estado em que a
vítima se encontra, a consumação não se encerra.
Como
crime material, admite a tentativa,
que se verifica com a prática de atos de execução, sem chegar à condição
humilhante da vítima, por exemplo, quando conhecido infrator desse tipo penal é
preso em flagrante ao conduzir trabalhadores para sua distante fazenda, onde o
serviriam, sem probabilidade de retornar.
4.6
Ação penal
A ação penal é pública incondicionada,
não sendo necessária qualquer condição de procedibilidade.
4.7
Inovações da Lei n. 10.803/2003
Com
esse diploma legal, pretendendo reforçar a proteção do trabalhador, o
legislador restringiu o alcance do tipo penal anterior: de crime de forma livre, passou a ser especial, quer pela limitação do sujeito
passivo, quer pelos meios ou formas de execução, que passaram a ser
específicas:
a) sujeito passivo: antes, qualquer
pessoa podia ser sujeito passivo deste crime; agora, somente o empregado ou trabalhador
(lato sensu);
b) meio ou forma de execução: antes era crime comum, e sua execução era de forma livre; agora, somente pode ser
praticado segundo as formas previstas no caput
e § 1º, na nova
redação
do art. 149.
A
partir de agora, somente pode ser sujeito passivo deste crime quem se encontrar
na condição de contratado,
empregado, empreiteiro, operário (enfim, trabalhador) do sujeito ativo. Para
configurar o crime é indispensável a relação
ou “vínculo trabalhista” entre sujeito
ativo
e sujeito passivo. A ausência dessa
relação de prestação de serviço entre sujeito ativo e sujeito passivo
impede que se configure esta infração penal, ainda que haja a restrição da
liberdade prevista no dispositivo.
5. Violação
de domicílio – Art. 150.
5.1
Bem jurídico tutelado
O bem jurídico protegido, neste tipo
penal, continua sendo a liberdade
individual. A intimidade e a
privacidade, que são aspectos da liberdade
individual.
A
criminalização da violação de
domicílio objetiva proteger a moradia,
isto é, o lugar que o indivíduo “escolheu” para a sua morada, para o seu
repouso e de sua família; o bem jurídico é a liberdade e a privacidade
“individual-familiar” a que todo indivíduo tem direito.
Casa
desabitada não é res nullius e
também tem proteção jurídicopenal; não a mesma proteção que se dá à casa habitada, enquanto asilo
inviolável do cidadão, mas a invasão daquela, dependendo das circunstâncias,
poderá constituir algum crime contra o patrimônio. No entanto, se houver
invasão de casa habitada, cujos
moradores se encontrem ausentes,
tipificará o crime de invasão de domicílio, pois, a despeito da ausência dos
“moradores”, o lugar permanece como “habitado” e repositório da intimidade e
privacidade que caracterizam a vida doméstica daqueles.
Durante a noite ninguém, nenhuma autoridade, mesmo com ordem judicial, pode
entrar ou permanecer no recinto do lar, nos termos do texto constitucional;
havendo ordem judicial, as autoridades deverão aguardar o amanhecer para só
então, observando as formalidades legais (arts. 241 a 248 e 293, todos do CPP),
poderem adentrar no recinto, que, independente de sua natureza ou condição,
constitua o domicílio ou morada de alguém.
A
ressalva constitucional permite o ingresso na casa, durante a noite, somente “em caso de flagrante delito ou
desastre, ou para prestar socorro” (art. 5º, XI, in fine).
5.1.1
Definição jurídico-penal de domicílio
O
legislador penal, definiu casa como:
a) qualquer compartimento habitado;
b) aposento ocupado de habitação coletiva;
c) compartimento não aberto ao público, onde
alguém exerce profissão ou atividade (art. 150, § 4º).
O CP afastou
aqueles locais que não devem ser considerados “casa” para efeitos penais:
a) hospedaria, estalagem ou qualquer outra
habitação coletiva, enquanto aberta, salvo a restrição do inciso II do
parágrafo anterior;
b) taverna, casa de jogo e outras do mesmo
gênero (art. 150, § 5º).
5.2
Sujeitos do crime
Qualquer
pessoa pode ser sujeito ativo,
inclusive o proprietário, pois
não são a posse e a propriedade os objetos da proteção legal,
mas a intimidade e a privacidade
domésticas, como corolário do direito de liberdade. O cônjuge separado
ou divorciado que invade a residência do outro pratica, em tese, o crime de
invasão de domicílio. O proprietário
de casa alugada também pode ser sujeito
ativo do crime de violação de
domicílio, se, por exemplo, adentrá-la contra a vontade do locatário.
Sujeito passivo é o morador, que pode impedir ou anuir à entrada
ou permanência na casa. Na
ausência do morador, o direito de exclusão
ou admissão transfere-se
ao cônjuge, ascendentes, descendentes, empregados ou quaisquer outras pessoas
que com ele convivam. Teoricamente, predomina a vontade do “chefe da família”
ou cabeça do casal; havendo divergência, normalmente deve prevalecer a vontade
daquele, desde que desse consentimento não fique ofendido ou exposto a perigo o
direito de liberdade doméstica correspondente a cada um dos conviventes.
Quando
se trata de habitação coletiva (colégio, convento, orfanato etc.), o direito de
impedir ou admitir normalmente é atribuição do chefe ou diretor, cuja ausência
é suprida por um substituto natural, e assim sucessivamente.
5.3
Tipo objetivo: adequação típica
Entrar significa
introduzir-se, penetrar, ingressar, ou até mesmo invadir; permanecer significa ficar,
continuar, conservar-se dentro. A permanência
pressupõe a entrada lícita,
incriminando-se a recusa em sair: o sujeito ativo entra licitamente nesse caso,
mas insiste em ficar contra a vontade de quem de direito.
Entrar
ou permanecer em casa desabitada ou
abandonada não tipifica a
conduta descrita como invasão de domicílio, embora, dependendo das
circunstâncias, possa configurar outra infração penal, particularmente contra o
patrimônio.
5.4
Tipo subjetivo: adequação típica
O
elemento subjetivo deste crime é o dolo, representado pela vontade livre e
consciente de entrar ou permanecer em casa
alheia, contra a vontade do morador. Faz-se necessário que o agente
tenha conhecimento do dissenso de
quem de direito e de que se trata de “casa alheia”.
5.5
Consumação e tentativa
Consuma-se
o crime de invasão de domicílio com a entrada
ou permanência em casa
alheia, contrariadas por quem de direito; na primeira hipótese, consuma-se tão
logo o sujeito ativo se tenha introduzido completamente na casa alheia,
independentemente do meio empregado; na segunda hipótese, no exato momento em
que a conduta do agente demonstra sua efetiva intenção de permanecer no
interior do aposento, a despeito do dissenso
de quem de direito, ou quando o agente fica no interior da casa, além do
necessário, apesar de solicitada a sua retirada.
A tentativa, embora de difícil
configuração, é, teoricamente, admissível.
5.6.
Formas qualificadas: tipos derivados
5.6.1
Durante a noite
Noite é
o período do dia em que há, naturalmente, a ausência de luz solar, e,
normalmente, inicia-se pouco mais de uma hora após o sol se pôr, e finda-se com o seu nascimento.
5.6.2
Lugar ermo
É
aquele distante, afastado, de difícil acesso, isolado, habitualmente abandonado,
onde a possibilidade de socorro é muito remota; é o local, geograficamente
considerado, habitualmente solitário; não basta que eventualmente o lugar se
encontre isolado ou não frequentado.
5.6..3
Emprego de violência
O
texto legal é omisso quanto à natureza e espécie de violência exigida para
configurar a qualificadora: a omissão no dispositivo em exame é a manifestação
clara de que a grave ameaça não
tem o condão de qualificar o crime. Como a lei fala em violência, sem
especificar contra quem ou contra o quê, abrange a violência tanto contra a
coisa como contra a pessoa.
5.6..4
Emprego de arma
Embora
o texto legal não defina o que deve ser entendido por arma, acreditamos que tanto as próprias quanto as impróprias,
desde que sejam idôneas para impingir medo na vítima, serão suficientes para
caracterizar a qualificadora.
5.6.5
Duas ou mais pessoas
O
concurso de pessoas, por si só, dificulta, quando não elimina, as
possibilidades de resistência da vítima; torna muito mais grave o desvalor da
ação praticada em concurso, independentemente da natureza da participação de cada um, se coautoria
ou participação em sentido estrito.
Excludentes especiais
O § 3º
do art. 150 do CP prescreve duas hipóteses:
I —
durante o dia, com observância das formalidades legais, para efetuar prisão ou
outra
diligência;
II — a
qualquer hora do dia ou da noite, quando algum crime está sendo praticado ou na
iminência de o ser”.
5.7
Ação penal
A ação
penal é pública incondicionada,
sendo dispensável qualquer manifestação do ofendido tanto para a sua
instauração quanto para as providências investigatórias preliminares.
6. Violação
de correspondência – Art. 151.
6.1
Bem jurídico tutelado
O bem
jurídico protegido, neste artigo, é a inviolabilidade
do sigilo da correspondência, das comunicações telegráficas e das
comunicações telefônicas. O direito à intimidade ou privacidade, que é espécie
do gênero direitos da personalidade, necessita e recebe a imediata proteção jurídico-constitucional.
6.2
Sujeitos do crime
Sujeito ativo pode
ser qualquer pessoa, não requerendo nenhuma condição particular. Somente não
podem praticar este crime o remetente e o destinatário, ante a impossibilidade
de se autoviolar o sigilo da própria correspondência. Será qualificado o crime
se for praticado
com
abuso de função, em serviço postal, telegráfico, radioelétrico ou telefônico,
cuja pena será de um a três anos de detenção (§2º).
Sujeitos passivos (duplo), por sua vez, são os dois excluídos da possibilidade
de serem sujeito ativo, isto é, o remetente
e o destinatário da
correspondência. Esses dois são os que sofrem o dano com a violação do sigilo
da comunicação não protegido pela lei, como assegurado pela Constituição
Federal, como garantia individual do cidadão. Enquanto a correspondência não
chega às mãos do destinatário, pertence ao remetente.
6.3
Tipo objetivo: adequação típica
O art.
151, no caput e nos §§ 1º, I, e
2º, prevê as seguintes formas de conduta, tipificadoras de crimes distintos:
a) violação de correspondência (caput);
b) apossamento de correspondência (§ 1º, I);
c) violação de comunicação telegráfica,
radioelétrica ou telefônica (§ 1º, II);
d) impedimento de comunicação ou conversação (§
1º, III);
e) instalação ou utilização de estação de aparelho
radioelétrico (§ 1º, IV).
6.3.1
Violação de correspondência
O
núcleo do caput, que protege a
inviolabilidade do sigilo da correspondência, é devassar, que significa descobrir, olhar, perscrutar, indevidamente, correspondência alheia
fechada, total ou parcialmente. É desnecessária a abertura da correspondência;
basta, por qualquer meio, tomar conhecimento do seu conteúdo.
É
necessário que a correspondência seja
fechada, isto é, que não tenha sido
violada ou devassada por alguém.
O
Código Penal não define o que deve ser entendido por correspondência. Deve ser abrangente. Assim, pode ser carta,
bilhete, fax, fonograma, telex, telegrama, fita de vídeo, fita cassete, videolaser etc. Fundamental, mais que
o meio ou tipo de correspondência, é que esteja fechada, demonstrando o seu
caráter sigiloso e o desejo de que seu conteúdo seja conhecido somente pelo seu
destinatário.
6.4
Violação de comunicação telegráfica, radioelétrica ou telefônica
Nos
termos do inciso II, pratica o crime de “violação de comunicação” “quem
indevidamente divulga, transmite a outrem ou utiliza abusivamente comunicação
telegráfica ou radioelétrica dirigida a terceiro, ou conversação telefônica
entre outras pessoas”.
As
condutas tipificadas são: “divulgar”, “transmitir” ou “utilizar”. Divulgar significa dar publicidade,
tornar público, propagar, difundir o conteúdo da comunicação, indevidamente; transmitir é comunicar, fazer chegar,
transferir, em tese, a um número indeterminado de pessoas.
6.5
Interceptação de comunicação telefônica: exceção constitucional
A comunicação telefônica é a única a
que a atual Constituição Federal permite exceção,
eventualmente, ao princípio da inviolabilidade
do sigilo das comunicações, desde que “por ordem judicial, nas hipóteses
e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou
instrução processual penal” (art. 5º, XII). A Lei n. 9.296/96 veio disciplinar
as hipóteses possíveis (arts. 1º e 2º).
6.7
Instalação ou utilização ilegal de estação ou aparelho radioelétrico
O
inciso IV do mesmo parágrafo comina a mesma pena do caput a “quem instala ou utiliza estação ou aparelho
radioelétrico, sem observância de disposição legal”. Esse dispositivo, no
entanto, foi revogado pela Lei n. 4.117, de 27 de agosto de 1962 (Código de
Telecomunicações), que em seu art. 70 dispõe: “Constitui crime punível com a
pena de detenção de 1 a 2 anos, aumentada da metade se houver dano a terceiro,
a instalação ou utilização de telecomunicações, sem observância do disposto
nesta lei e nos regulamentos” (redação dada pelo Decreto-Lei n. 236, de
28-2-1967), embora, normalmente, conste em todos os Códigos Penais, comuns e
anotados, das principais editoras brasileiras, o texto revogado do Código
Penal.
6.7
Tipo subjetivo: adequação típica
O elemento subjetivo é o dolo, que se
constitui da vontade livre e consciente de violar o conteúdo de correspondência
fechada (na hipótese do caput)
dirigida a terceiro. É indispensável que o sujeito ativo tenha consciência de que a correspondência
se destina a outrem e que, ainda assim, tenha a vontade de devassá-la.
6.8
Consumação e tentativa
Consuma-se
o crime de violação de correspondência com o conhecimento do conteúdo da
correspondência (1ª figura). Enfim, consuma-se o crime com o devassamento da correspondência, ou seja,
com o conhecimento do seu conteúdo, que não precisa ser total
nem
ser, na sua essência, segredo.
Na
dita figura de “sonegação ou destruição” o crime se consuma com o efetivo apossamento; tratando-se de crime formal é desnecessário que o
agente atinja a eventual finalidade da conduta, que pode ou não ocorrer.
A tentativa é admissível,
verificando-se quando, por exemplo, alguém é interrompido por terceiro, quando
está procurando violar o lacre
de uma correspondência para descobrir seu conteúdo, embora não seja necessária
a abertura do envelope para devassá-la; caracteriza,
igualmente,
a tentativa, quando o agente não consegue apossar-se de correspondência, por circunstâncias alheias à sua
vontade.
6.9
Cônjuge do destinatário: ilegitimidade da devassa
A
convolação a núpcias, a nosso juízo, não confere a qualquer dos cônjuges o
direito de violar o sigilo da correspondência do outro. Aníbal Bruno, mais
contemporizador, admitia que, “em condições normais de convivência, é de
presumir-se entre os cônjuges um consentimento tácito, que justificaria o
fato”; contudo, não passa de mera presunção, que cede quando o outro cônjuge
não consentir a violabilidade do sigilo de sua correspondência; nesse caso,
será vedado o devassamento pelo outro.
No
entanto, a despeito de não admitirmos o direito de qualquer dos cônjuges devassar a correspondência do outro,
não chegamos ao extremo de considerá-la crime. Trata-se de um desvio de ordem éticosocial, censurável,
nesse aspecto, mas não chega a tipificar infração
penal.
Esse mau hábito de
“bisbilhotar” a correspondência do outro cônjuge, longe de revelar harmonia,
cumplicidade e identidade de propósito, destaca comportamento contraditório com
esses objetivos e, certamente, não está abrangido pelos deveres conjugais estabelecidos no art. 231 e incisos do Código
Civil.
6.10
Formas majoradas e qualificadas
A pena
será de um a três anos de detenção, se o crime for praticado “com abuso de
função em serviço postal, telegráfico, radioelétrico ou telefônico”. Neste
caso, o agente deve praticar o crime com infringência a dever funcional. Esta qualificadora somente poderá incidir em
funcionário de empresa postal, telegráfica, radioelétrica. Qualquer outro
agente, mesmo funcionário de outros setores das comunicações, não incidirá
nessa qualificadora.
6.11
Ação penal
A ação
penal é pública condicionada à
representação, com exceção dos casos dos §§ 1º, IV, e 3º, cuja ação penal é pública incondicionada. Titular do
direito de representar será tanto o remetente quanto o destinatário, pois o que
se protege não é o direito de propriedade da correspondência, mas a liberdade
pessoal ou, mais especificamente, a privacidade individual, que é atingida pela
violação do sigilo da correspondência.
7. Correspondência
comercial - Art. 152.
7.1
Bem jurídico tutelado
O bem jurídico protegido aqui também é
a inviolabilidade do sigilo da
correspondência, acrescido de duas condições especiais, não exigidas no artigo anterior: uma
relativa ao sujeito ativo, que só pode ser “sócio ou empregado”; outra
referente à natureza do destinatário da correspondência, que é limitado a
“estabelecimento comercial ou industrial”.
Na
ótica do legislador, sigilos e
segredos comerciais, invenções e novas tecnologias constituem interesses
superiores aos protegidos no art. 151, pois somente essa avaliação justifica
tamanha elevação da sanção penal. Embora o tipo penal não se limite à proteção
desses interesses, devemos reconhecer que, não raro, podem ser objeto do
conteúdo dessas correspondências.
7.2
Sujeitos do crime
Como crime próprio, somente poderá ser sujeito ativo quem reunir as
qualidades ou condições especialmente exigidas pelo tipo penal, no caso, o sócio ou empregado de estabelecimento
comercial ou industrial.
Para
que o sujeito ativo incorra na
proibição deste artigo, é indispensável que a conduta seja praticada com abuso da condição de sócio ou de
empregado; como o tipo penal não exige que haja abuso de função, é desnecessário que o sócio ou o empregado seja
o encarregado
de
cuidar da correspondência do estabelecimento, sendo suficiente sua qualidade de
“sócio ou empregado” e que, indevidamente, se aproveite dessa condição para desviar, sonegar, subtrair ou suprimir
correspondência, ou revelar a estranho seu conteúdo, no todo ou em
parte.
Sujeitos passivos, por sua vez, são o estabelecimento comercial ou
industrial e os respectivos sócios, ou o estabelecimento e os demais sócios, na
hipótese de um deles ser o sujeito ativo. Não têm legitimidade para ser sujeito passivo deste crime
estabelecimentos prestadores de serviços, cooperativas, sociedades civis etc.,
por faltar-lhe a elementar típica “comercial ou industrial”.
7.3
Tipo objetivo: adequação típica
O núcleo do tipo é alternativo: desviar (desencaminhar), sonegar (esconder, não entregar), subtrair (tirar), suprimir (fazer desaparecer) ou revelar (divulgar) a estranho o
conteúdo de correspondência.
A
tipificação das condutas está limitada ao uso abusivo da condição de sócio ou empregado. Abusar significa
praticar qualquer daquelas condutas indevidamente,
sem justa causa, ou em condições inadequadas, isto é, em desacordo com a
condição (atribuições, direitos ou deveres) de sócio ou de empregado. Se, no
entanto, na prática de quaisquer daquelas condutas não houver abuso da especial condição do sujeito ativo
(sócio ou empregado), isto é, agir nos limites do que lhe é permitido, não
haverá o crime.
Somente
a correspondência comercial encontra amparo no art. 152; não sendo comercial, a tutela da
inviolabilidade do seu sigilo será abrangida pelo disposto no art. 151. Essa
correspondência comercial pode assumir as mais variadas formas, tais como cartas,
ofícios, requerimentos, fax, notas, avisos, memorandos, contas, faturas, duplicatas,
“dossiês”, instruções, perícias, balancetes, levantamentos etc.
7.4
Tipo subjetivo: adequação típica
O elemento subjetivo é o dolo,
constituído pela vontade livre e consciente de violar o sigilo da
correspondência comercial, por meio das condutas descritas no tipo penal. O
sujeito ativo deve, necessariamente, ter conhecimento de que a correspondência
se destina ao estabelecimento (comercial ou industrial) e que tem o dever de zelar pela sua
inviolabilidade e não revelar a estranho o seu conteúdo. O dolo pode apresentar-se
sob a forma direta ou eventual.
7.5
Consumação e tentativa
Consuma-se o crime com a prática efetiva das ações de
desviar, sonegar, subtrair ou suprimir a correspondência, ou, na segunda
modalidade, revelar a estranho seu conteúdo.
A
tentativa é admissível, na medida em que as condutas descritas admitem
fracionamento, possibilitando a identificação
7.6
Ação penal
A ação
penal é pública condicionada à
representação. Titular do direito de representar serão tanto a pessoa jurídica
quanto os sócios, quando o sujeito ativo houver sido um empregado; quando,
porém, o sujeito ativo tiver sido um dos sócios, serão a própria pessoa
jurídica e os demais sócios. Sócios e pessoa jurídica podem representar
conjunta ou separadamente. A renúncia de qualquer deles não prejudica o direito
dos demais.
8. Divulgação
de segredo - Art.
153.
8.1
Bem jurídico tutelado
O bem
jurídico protegido é a preservação do sigilo de atos ou fatos secretos ou
confidenciais, cuja divulgação pode causar dano a outrem; é, em termos
esquemáticos, a inviolabilidade dos segredos, que, como nos dois artigos
anteriores, representa um aspecto da liberdade
individual.
A proteção penal, porém, limita-se a documentos particulares ou
correspondências confidenciais.
8.2
Sujeitos do crime
Sujeito ativo será somente o destinatário ou detentor
de documento particular ou de correspondência confidencial, que contenha
segredo ou conteúdo confidencial, cuja revelação possa causar dano a alguém.
Logo, é não só aquele a quem o documento ou correspondência se destina, como
também quem, legítima ou ilegitimamente, o possui ou detém.
Embora
o destinatário seja o “proprietário” do documento ou da correspondência
confidencial, desde o dia em que a recebe, não pode dar-lhe publicidade sem
autorização do seu autor ou remetente; caso contrário, responderá pelo crime.
Sujeito passivo é o titular do segredo, isto é, a pessoa cuja divulgação do
conteúdo confidencial pode causar-lhe dano, ainda que não seja o autor do
documento ou o remetente da correspondência; é, em outros termos, quem tem
legítimo interesse em que se mantenha em segredo o conteúdo do documento
particular ou da correspondência confidencial.
8.3
Tipo objetivo: adequação típica
Divulgar,
sem justa causa, conteúdo de documento particular ou de correspondência
confidencial, isto é, tornar público ou do conhecimento de um número
indeterminado de pessoas. Objetiva a proteção da vida privada, mantendo
secretos fatos relevantes, que não se deseja sejam divulgados.
O
documento particular deve ter natureza sigilosa; no entanto, o caráter
sigiloso, por si só, é insuficiente para tipificar o crime, sendo necessário
que se vincule ao dano, efetivo ou potencial, que a divulgação possa produzir.
Documento e correspondência devem ter interesse moral ou material, uma vez que
fatos inócuos não podem converter-se em segredos,
protegidos pelo Direito Penal, pela simples vontade do remetente.
Estão
excluídas da proteção penal as “confidências” obtidas verbalmente, isto é,
através da fala, oralmente.
8.4
Tipo subjetivo: adequação típica
Elemento
subjetivo é o dolo,
representado pela vontade livre e consciente de divulgar o conteúdo de
documento particular ou correspondência confidencial, tendo consciência de
tratar-se de conteúdo sigiloso e que pode produzir dano a alguém. Ademais, é
necessário que o agente tenha consciência
de que a sua conduta é ilegítima, isto é, sem justa causa.
8.5
Consumação e tentativa
Consuma-se o
crime com o ato de divulgar,
independentemente da ocorrência efetiva de dano, pois o próprio tipo exige
somente que a conduta tenha a potencialidade
para produzir dano, sendo desnecessário que este se efetive,
tratando-se, pois, de crime formal.
É insuficiente a comunicação a uma só pessoa ou a um número restrito de pessoas:
faz-se necessária uma difusão extensiva, algo que torne possível o conhecimento
de um número indeterminado de pessoas.
A tentativa é de difícil configuração,
mas teoricamente possível
8.6
Divulgação de informações sigilosas ou reservadas
A Lei
n. 9.983/2000 acrescentou que constitui crime a divulgação, sem justa causa, de
informações sigilosas ou reservadas, independentemente de constarem ou não nos
sistemas de informações ou banco de dados da Administração Pública. Tudo que se
disse a respeito
do
verbo “divulgar” e da elementar normativa “sem justa causa” relativamente ao
tipo anterior se aplica a esta nova infração penal.
8.6.1
Bem jurídico protegido
O bem
jurídico protegido continua sendo a liberdade individual, apenas sob o aspecto
da privacidade, e a inviolabilidade da intimidade pessoal, especialmente
resguardados os dados e informações pessoais armazenados pela Administração
Pública.
8.6.2
Informações sigilosas ou reservadas: definidas em lei
O
vocábulo “informações” pode ter uma abrangência exagerada, incompatível com as
limitações próprias do direito penal. Por isso, o texto legal se encarrega de
limitar-se àquelas “definidas em lei”. Assim, não bastam tarjas, faixas,
carimbos ou coisa do gênero que as definam como sigilosas para que adquiram
essa condição.
8.7
Ação penal
A ação penal é pública condicionada à
representação; trata-se de direito disponível, e, como tal, o início da ação
penal depende de provocação do ofendido. Havendo prejuízo para a Administração
Pública, a ação penal será pública incondicionada (§ 2º).
9. Violação
do segredo profissional - Art.
154.
9.1
Bem jurídico tutelado
O bem jurídico protegido continua
sendo, também neste artigo, a liberdade
individual, agora sob o aspecto da inviolabilidade do segredo profissional; é, como realça o nomen iuris, o sigilo de segredo profissional, cuja divulgação
pode causar dano a outrem.
9.2
Sujeitos do crime
Sujeito ativo somente
pode ser quem tem ciência de segredo em razão de função, ministério, ofício ou
profissão. Trata-se de uma modalidade muito peculiar de crime próprio, uma vez que a condição especial não se encontra no sujeito ativo, mas na natureza da atividade que lhe
possibilita ter ciência do segredo profissional.
Sujeitos ativos são os confidentes
necessários, aqueles a quem são confiados segredos em razão do seu
mister, no caso em apreço, função,
ministério, ofício ou profissão. A terminologia confidentes necessários fundamenta-se na essência de
determinadas atividades
em que
a relação profissional—cliente encerra
confidências, sigilos, segredos, cuja revelação
indevida fere, no mínimo, a ética profissional.
Sujeito passivo é o titular do segredo, que pode ser pessoa física ou
jurídica a quem pertencem os dados secretos.
9.3
Tipo objetivo: adequação típica
A
conduta tipificada é revelar,
que significa contar a alguém segredo profissional. Revelar tem uma abrangência mais restrita do que divulgar: aqui implica um número
indeterminado de pessoas; lá é suficiente alguém.
Esta
matriz típica objetiva a proteção do segredo
profissional específico, da criação e da invenção, mantendo secretos
fatos relevantes, punindo, além da violação dos segredos de que se tem
conhecimento no exercício de certas atividades profissionais, a espionagem industrial, comercial e
artística. A proteção inclui o segredo oral e não apenas documental.
9.4
Tipo subjetivo: adequação típica
Elemento
subjetivo é o dolo representado
pela vontade livre e consciente de revelar segredo de que teve conhecimento em
razão de função, ministério, ofício ou profissão, tendo consciência de que se trata
de segredo profissional e que
pode produzir dano a alguém.
9.5
Consumação e tentativa
Consuma-se
o crime no momento em que o sujeito
ativo revela a terceiro conteúdo
de segredo de que teve ciência nas circunstâncias definidas no tipo
penal; consuma-se com o simples ato de
revelar, independentemente da ocorrência efetiva de dano, pois é
suficiente que a revelação tenha potencialidade
para produzir a lesão, que, se ocorrer, constituirá o exaurimento do
crime.
É
suficiente a comunicação a uma só pessoa, ao contrário do que ocorre com o
crime de divulgação de segredo,
que necessita ser difundido extensivamente, para um número indeterminado de
pessoas.
A tentativa é de difícil configuração,
mas teoricamente possível, especialmente através de meio escrito, pois não se
trata de crime de ato único, e
o fato de prever a potencialidade de dano decorrente da conduta de revelar, por si só, não a torna
impossível.
9.6
Ação penal
A ação penal é pública condicionada à
representação; trata-se de direito disponível, e, como tal, o início da ação
penal depende de provocação do ofendido. Se o titular do segredo for menor de
dezoito anos ou interdito, o direito de representar deve ser exercido pelo seu representante
legal.
art. 149-A ?
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