domingo, 9 de março de 2014

Aula 6 - arts. 146-154

1.Constrangimento ilegal – Art.146.

1.1 Bem jurídico tutelado
O bem jurídico protegido é a liberdade individual ou pessoal de autodeterminação, ou seja, a liberdade do indivíduo de fazer ou não fazer o que lhe aprouver, dentro dos limites da ordem jurídica. Assegura-se, assim, ao indivíduo o direito de fazer tudo o que a lei não proibir, não podendo ser obrigado a fazer senão aquilo que a lei lhe impuser.
A liberdade que se protege é a psíquica (livre formação da vontade, isto é, sem coação) e a física, ou seja, liberdade de movimento.

1.2 Sujeitos do crime
O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, não requerendo nenhuma qualidade ou condição particular; cuida-se, pois, de crime comum. Tratando-se, contudo, de funcionário público, desde que no exercício de suas funções, o crime praticado poderá ser, de acordo com as circunstâncias, não este, mas qualquer outro, como, por exemplo, os arts. 322 e 350 do CP, o art. 3º da Lei n. 4.898/65 etc.
Sujeito passivo pode ser qualquer pessoa, desde que capaz de sentir a violência e motivar-se com ela; em outros termos, é necessária a capacidade de autodeterminação, ou seja, a capacidade de conhecer e se autodeterminar de acordo com esse conhecimento. Assim, estão excluídos os enfermos mentais, as crianças, os loucos de todo gênero etc.
Quando o constrangimento for praticado contra criança, constituirá o crime descrito no art. 232 da Lei n. 8.069/90 (ECA), desde que esta se encontre “sob sua autoridade, guarda, ou vigilância”. Essa previsão minimiza aquele entendimento de que incapaz não pode ser sujeito passivo desse crime.
Atentar contra a liberdade do Presidente da República ou os Presidentes dos demais Poderes, Legislativo (Senado e Câmara) e Judiciário constitui crime contra a segurança nacional (art. 28 da Lei n. 7.170, de 14-12-1983).

1.3 Tipo objetivo: adequação típica
O núcleo do tipo é constranger, que significa obrigar, forçar, compelir, coagir alguém a fazer ou deixar de fazer alguma coisa a que não está obrigado. A finalidade pretendida pelo constrangimento ilegal pode ser qualquer prestação de ordem pessoal, moral, física, psíquica, social ou de qualquer natureza, profissional, econômica, comercial, jurídica etc., desde que não constitua infração penal.
A conduta típica pode apresentar-se sob duas modalidades:
a)fazer o que a lei não obriga;
b) não fazer o que ela permite.
Na primeira hipótese, a vítima é forçada a fazer alguma coisa: um cruzeiro, um passeio, uma cirurgia etc. Na segunda hipótese, a conduta do agente impõe uma omissão da vítima em relação a alguma coisa, sem exigência legal.
Se o constrangimento visar pretensão legítima do sujeito passivo, poderá caracterizar o crime do art. 345. Na verdade, se a finalidade pretendida pelo sujeito passivo pode ser obtida em juízo, que preferiu consegui-la coativamente, a tipificação de sua conduta desloca-se para os crimes contra a Administração da Justiça, qual seja, “exercício arbitrário das próprias razões” (art. 345).

1.4 Formas ou meios de execução
A lei estabelece as seguintes formas de realização do constrangimento ilegal:
(a) mediante violência (força física, real),
(b) grave ameaça (violência moral, intimidação, vis compulsiva) ou
(c) qualquer outro meio (ingestão de álcool, drogas, hipnose etc.), reduzindo a capacidade de resistência da vítima.

1.5 Tipo subjetivo: adequação típica
O elemento subjetivo, geral, é o dolo, que é representado pela vontade e a consciência de constranger a vítima, mediante violência ou grave ameaça, a fazer o que a lei não determina ou não fazer o que ela manda. A consciência deve abranger a ilegitimidade da ação, dos meios escolhidos (violência ou grave ameaça) e a relação de causalidade entre o constrangimento e a ação ou omissão do sujeito passivo, sendo irrelevantes os motivos determinantes, com exceção daqueles que excluem a antijuridicidade da conduta. O dolo poderá ser direto ou eventual.

1.6 Consumação e tentativa
Consuma-se o crime de constrangimento ilegal quando o ofendido faz ou deixa de fazer aquilo a que foi constrangido. Assim, consuma-se o crime quando o constrangido, em razão da violência ou grave ameaça sofrida, começa a fazer ou não fazer a imposição do sujeito ativo. Enquanto o coagido não ceder à vontade do sujeito ativo, isto é, enquanto não der início ao “fazer ou não fazer”, a violência ou grave ameaça podem configurar somente a tentativa.

1.7 Formas majoradas (§ 1º)

1.7.1 Reunião de mais de três pessoas
Será necessário que, no mínimo, quatro pessoas tenham participado da fase executória do crime, incluindo-se nesse número o próprio autor principal, se houver, menores e incapazes.

1.7.2 Emprego de armas
Armas — não significa mais de uma, mas somente gênero; não se ousou contestá-lo, e até hoje se repete a mesma coisa.


2. Ameaça – Art. 147.

2.1 Bem jurídico tutelado
O bem jurídico protegido, a exemplo do crime de constrangimento ilegal, é a liberdade pessoal e individual de autodeterminação, isto é, a liberdade psíquica do indivíduo, que será abalada pelo temor infundido pela ameaça. A ameaça de um mal injusto e grave perturba a tranquilidade e a paz interior do ofendido, que é corroída pelo medo, causando-lhe insegurança e desequilíbrio psíquico e emocional. O que se viola ou restringe, no crime de ameaça, não é propriamente uma vontade determinada, mas a liberdade de elaborar seus pensamentos.

2.2 Sujeitos do crime
Sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, não requerendo nenhuma qualidade ou condição particular, tratando-se, pois, de crime comum.
Sujeito passivo pode ser qualquer pessoa física, desde que seja capaz de sentir a idoneidade da ameaça e motivar-se com ela, atemorizando-se; em outros termos, é necessária a capacidade de conhecer e de se autodeterminar de acordo com esse conhecimento.

2.3 Tipo objetivo: adequação típica
Ameaçar significa procurar intimidar, meter medo em alguém.
Medo é um sentimento cuja valoração é extremamente subjetiva e pode variar de pessoa para pessoa, de situação para situação.
Se o “mal” for justo ou não for grave, não constituirá o crime.
A ameaça para constituir o crime tem de ser idônea, séria e concreta, capaz de efetivamente impingir medo à vítima.
Formas de ameaça
-Direta: o que ocorre quando o mal prometido visa à pessoa ou ao patrimônio do ameaçado.
-Indireta: quando recai sobre pessoa presa ao ofendido por laços de consanguinidade ou afeto (intimidar a mãe, por um mal ao filho; a esposa, por um dano ao cônjuge).
-Explícita: quando feita às claras, abertamente, sem subterfúgios: dizer a alguém que vai matá-lo; exibir-lhe uma arma em tom ameaçador etc.
-Implícita: quando o sentido está subentendido ou incluso: ‘Costumo liquidar minhas questões com sangue’ etc.
-Condicional: quando dependente de um fato do sujeito passivo ou de outrem: ‘Se repetir o que disse, eu lhe parto a cara’; ‘Se fulano me denunciar, eu matarei você’.
Os meios enumerados pela lei englobam praticamente todas as possíveis formas de sua realização:
a) por palavra (oral) — que pode ser diretamente, por telefone ou até mesmo gravada;
b) escrito — relativamente ao escrito é indiferente que seja assinado, anônimo ou com pseudônimo;
c) gesto (mímica) — determinados gestos ameaçadores podem simbolizar uma gravidade muito mais intensa da ameaça que as próprias palavras ou escrito, como, por exemplo, descobrir uma arma de fogo, ou apontá-la em direção à vítima etc.;
d) qualquer outro meio simbólico (simbolizada) — pode materializar-se por meio da exibição de bonecos perfurados com agulha, “despachos” etc.
A ameaça não se confunde com a simples advertência, porque nesta a superveniência do mal está condicionada à vontade do agente; não se confunde, igualmente, com a “praga” ou esconjuro, por duas razões básicas: primeiro, porque o evento não depende da vontade do
sujeito ativo ou de alguém que lhe seja submisso; segundo, porque representa simples desejo ou intenção, e, como dizia Welzel, a vontade má, como tal, não se pune; só se pune a vontade má realizada.

2.4 Tipo subjetivo: adequação típica
O dolo, que pode ser direto ou eventual, representado pela vontade e consciência de ameaçar alguém de mal injusto e grave, constitui o elemento subjetivo. A consciência, atual, da injustiça do mal e da sua gravidade é fundamental para a tipificação da ameaça.
O animus jocandi exclui o dolo.

2.5 Consumação e tentativa
Consuma-se o crime no momento em que o teor da ameaça chega ao conhecimento do ameaçado. Se este a desconhece, não se pode dizer ameaçado. Consuma-se com o resultado da ameaça, isto é, com a intimidação sofrida pelo sujeito passivo ou simplesmente com a idoneidade intimidativa da ação.
A tentativa é de difícil configuração, embora, na forma escrita, haja quem sustente sua viabilidade.
Como se trata de crime de ação pública condicionada, isto é, a que somente se procede mediante representação, destaca Damásio de Jesus, com muita precisão, que “se o sujeito exerce o direito de representação é porque tomou conhecimento do mal prenunciado. Se isso ocorreu, o crime é consumado e não tentado”.

2.6 Classificação doutrinária
Trata-se de crime comum, que pode ser praticado por qualquer pessoa, pois não exigindo qualquer qualidade ou condição especial; formal, pois a vítima não precisa sentir-se intimidada: basta a ação do agente e a vontade de amedrontá-la.
Trata-se de um crime tipicamente subsidiário

2.7 Ação penal
A ação penal é pública condicionada à representação do ofendido. A natureza da ação penal é pública, mas a iniciativa da autoridade (Polícia, na fase investigatória, e Ministério Público, para iniciar a fase processual) depende da provocação (ou aquiescência) da vítima.


3.Sequestro e cárcere privado – Art. 148.

3.1 Bem jurídico tutelado
O bem jurídico protegido, neste tipo penal, é a liberdade individual, especialmente a liberdade de locomoção, isto é, a liberdade de movimento, do direito de ir, vir e ficar: liberdade de escolher o local em que se deseja permanecer. Não deixa de ser, em sentido amplo, uma espécie de constrangimento ilegal, apenas se diferenciando pela especialidade.
A liberdade, no sentido em que é protegida neste dispositivo, consiste na possibilidade de mudança de lugar, sempre e quando a pessoa queira.
O consentimento da vítima, desde que validamente manifestado, exclui o crime. Contudo, tratando-se de bem jurídico tão elementar como é o direito de liberdade, convém destacar que o efeito excludente do consentimento da vítima não goza de um absolutismo pleno, capaz de legitimar toda e qualquer supressão da liberdade do indivíduo. O consentimento
não terá valor se violar princípios fundamentais de Direito Público ou, de alguma forma, ferir a dignidade da pessoa humana.

3.2 Sujeitos do crime
Como se trata de crime comum, sujeito ativo pode ser qualquer pessoa.
Sujeito passivo pode ser qualquer pessoa, independentemente de capacidade de conhecer e de autodeterminar-se de acordo com esse conhecimento, incluindo-se, portanto, os enfermos mentais, as crianças de tenra idade, os loucos de todo gênero etc., ao contrário do que ocorre com os crimes anteriores.
As pessoas impossibilitadas de locomover-se, por exemplo, paralíticos, aleijados, paraplégicos ou tetraplégicos, também podem ser sujeito passivo deste crime, pois a proteção legal garante o direito à locomoção, por qualquer meio, e nesse direito se inclui o direito de ir, vir e ficar, livremente.
Se o sujeito passivo for criança, poderá ocorrer um sequestro sui generis, disciplinado no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em seus arts. 230, 234 e 235 (Lei n. 8.069/90).

3.3 Tipo objetivo: adequação típica
O Código Penal não define cárcere privado nem sequestro, limitando-se a puni-los igualmente; utiliza as expressões sequestro ou cárcere privado com sentidos semelhantes, embora, estritamente, se possa dizer que no cárcere privado há confinamento ou clausura, enquanto no sequestro a supressão da liberdade não precisa ser confinada em limites tão estreitos. Assim, pode-se encarcerar alguém em um quarto, em uma sala, em uma casa etc.; e pode-se sequestrar retirando-o de determinado lugar e levando-o para outro, como para
uma ilha, um sítio etc.
O conteúdo material do crime, nas suas modalidades, é a impossibilidade de a vítima deslocar-se ou afastar-se livremente. Não é necessária a absoluta impossibilidade de a vítima afastar-se do local onde foi colocada ou retirada pelo agente, sendo suficiente que não
possa fazê-lo sem grave risco pessoal. A própria inexperiência ou ignorância da vítima sobre as condições do local que lhe possibilitariam fugir não desnatura o crime.
Configurar-se-á, igualmente, o crime de cárcere privado quando, após a privação legítima da liberdade, cessada a legitimidade, prolongue-se, indevidamente, a privação de liberdade; ou quando, por exemplo, o paciente recebe alta, mas é retido pela administração por falta de pagamento.

3.4 Tipo subjetivo: adequação típica
O elemento subjetivo é o dolo, que consiste na vontade livre e consciente de privar alguém de sua liberdade, desde que tenha conhecimento da sua ilegitimidade, e que pode ser praticado tanto por meio de sequestro como de cárcere privado.
Se a finalidade for atentar contra a segurança nacional, constituir á crime especial, tipificado no art. 20 da Lei de Segurança Nacional (Lei n. 7.170, de 14-12-1983). Se for praticado por funcionário público, constituirá o crime de violência arbitrária (art. 322). Se o sequestro for meio para a prática de outro crime, será absorvido pelo delito-fim.

3.5 Consumação e tentativa
Consuma-se com a efetiva restrição ou privação da liberdade de locomoção, por tempo juridicamente relevante. Afirma-se que se a privação da liberdade for rápida, instantânea ou momentânea não configurará o crime, admitindo-se, no máximo, sua figura tentada ou, quem sabe, constrangimento ilegal.
Crime permanente
Como crime material, admite a tentativa, que se verifica com a prática de atos de execução, sem chegar à restrição da liberdade da vítima.

3.6 Classificação doutrinária
Trata-se de crime comum, que pode ser praticado por qualquer pessoa, independentemente de qualquer condição especial; material, pois produz transformação no mundo exterior, consumando-se somente com a efetiva privação de liberdade da vítima; permanente, pois a ofensa do bem jurídico — privação da liberdade — prolonga-se no tempo, e enquanto a vítima estiver privada de sua liberdade de locomoção a execução estar-se-á consumando.

3.7 Formas qualificadas

3.7.1 Se a vítima é ascendente, descendente, cônjuge ou companheiro do agente
A Lei n. 11.106/2005 acrescentou nesse parágrafo, como vítima especial, decorrente de parentesco, a figura do companheiro, sem sentido inovador, procurando apenas adequar o texto penal ao reconhecimento jurídico da figura do(a) companheiro(a), independentemente
do sexo.

3.7.2 Se o crime é praticado mediante internação da vítima em casa de saúde ou hospital (§ 1º, II)
A internação da vítima, indevidamente, em casa de saúde ou hospital, reveste-se de requintada maldade, com a utilização de meio artificioso e fraudulento, não raro abusando da boa-fé do ofendido.

3.7.3 Se a privação da liberdade dura mais de quinze dias (§ 1º, III)
O prolongamento dos crimes permanentes, embora não alterem sua tipificação inicial, aumenta consideravelmente o sofrimento da vítima e o dano geral que produz ao ordenamento jurídico em termos genéricos. Na contagem desse prazo, que é material, inclui-se o dia do começo (art. 10).

3.7.4 Se resulta à vítima, em razão de maus-tratos ou da natureza da detenção, grave sofrimento físico ou moral (§ 2º)
O § 2º, em razão do maior desvalor do resultado, que pode ir além da simples privação da liberdade, produzindo grave sofrimento à vítima, comina pena bem superior, entre dois e oito anos de reclusão.

3.7.5 Vítima menor de dezoito anos
A despeito de não ser mencionado no texto legal, a menoridade da vítima somente qualifica o crime se estiver presente na data de sua prática ou execução, ainda que a consumação opere-se algum tempo depois, ou seja, quando a vítima já tenha ultrapassado essa idade.

3.7.6 Se a finalidade for libidinosa
No entanto, de forma inadequada, a nova lei incluiu uma qualificadora imprópria, qual seja, a
“finalidade libidinosa” do sequestro ou cárcere privado, deslocando essa qualificadora do Título “Dos crimes contra os costumes” para o “Dos crimes contra a pessoa”.

3.8 Pena e ação penal
A ação penal é pública incondicionada, não sendo exigida nenhuma condição de procedibilidade.


4.Redução a condição análoga à de escravo – Art. 149.

4.1 Bem jurídico tutelado
O bem jurídico protegido, neste tipo penal, é a liberdade individual. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo fere, acima de tudo, o princípio da dignidade humana, despojando-o de todos os seus valores ético-sociais, transformando-o em res, no sentido concebido pelos romanos.
Ao referir-se a “condição análoga à de escravo”, fica muito claro que não se trata de “redução à escravidão”, que é um conceito jurídico segundo o qual alguém pode ter o domínio sobre outrem. No caso em exame trata-se de reduzir “a condição semelhante a”, isto é, parecida, equivalente à de escravo, pois o status libertatis, como direito, permanece íntegro, sendo, de fato, suprimido.

4.2 Sujeitos do crime
Como se trata de crime comum, sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, não requerendo nenhuma qualidade ou condição particular.
Sujeito passivo pode ser qualquer pessoa, civilizada ou não, sendo indiferente a idade, raça, sexo, origem, condição cultural, capacidade jurídica etc., especialmente agora, quando qualquer discriminação nesse sentido constitui “crime de racismo” (art. 5º, XLII, da CF e Lei n. 8.459/97).

4.3 Tipo objetivo: adequação típica
Consiste em submeter alguém a um estado de servidão, de submissão absoluta, semelhante, comparável à de escravo. É, em termos bem esquemáticos, a submissão total de alguém ao domínio do sujeito passivo, reduzindo-o à condição de coisa.
Os meios ou modos para a prática do crime são os mais variados possíveis, não havendo qualquer limitação legal nesse sentido; o agente poderá praticá-lo, por exemplo, retendo os salários, pagando os de forma irrisória, mediante fraude, fazendo descontos de alimentação
e de habitação desproporcionais aos ganhos, com violência ou grave ameaça etc.
Tipifica-se o crime, por exemplo, no caso de alguém forçar o trabalhador a serviços pesados e extraordinários, com a proibição de deixar a propriedade agrícola sem liquidar os débitos pelos quais era responsável. Não será, contudo, qualquer constrangimento gerado por eventuais irregularidades nas relações de trabalho que tipificará esse crime.

4.4 Tipo subjetivo: adequação típica
Embora se reconheça que, em tese, a liberdade seja um bem jurídico disponível, ao contrário do que ocorre com o crime de sequestro e cárcere privado, o consentimento do ofendido, mesmo que validamente manifestado, não afasta a contrariedade ao ordenamento jurídico, em razão dos “bens-valores” superiores concomitantes à liberdade, a que acabamos de nos referir.
A indisponibilidade, neste crime, não se refere propriamente à liberdade, mas ao status libertatis em sentido amplo, que abrange aqueles valores dignidade, amor próprio etc.

4.5 Consumação
Consuma-se o crime quando o agente reduz a vítima a condição semelhante à de escravo, por tempo juridicamente relevante, isto é, quando a vítima se torna totalmente submissa ao poder de outrem.
Em razão da sua natureza de crime permanente, este não se configurará se o estado a que for reduzido o ofendido for rápido, instantâneo ou momentâneo, admitindo-se, no máximo, dependendo das circunstâncias, sua forma tentada. Enquanto não for alterado o estado em que a vítima se encontra, a consumação não se encerra.
Como crime material, admite a tentativa, que se verifica com a prática de atos de execução, sem chegar à condição humilhante da vítima, por exemplo, quando conhecido infrator desse tipo penal é preso em flagrante ao conduzir trabalhadores para sua distante fazenda, onde o serviriam, sem probabilidade de retornar.

4.6 Ação penal
A ação penal é pública incondicionada, não sendo necessária qualquer condição de procedibilidade.

4.7 Inovações da Lei n. 10.803/2003
Com esse diploma legal, pretendendo reforçar a proteção do trabalhador, o legislador restringiu o alcance do tipo penal anterior: de crime de forma livre, passou a ser especial, quer pela limitação do sujeito passivo, quer pelos meios ou formas de execução, que passaram a ser específicas:
a) sujeito passivo: antes, qualquer pessoa podia ser sujeito passivo deste crime; agora, somente o empregado ou trabalhador (lato sensu);
b) meio ou forma de execução: antes era crime comum, e sua execução era de forma livre; agora, somente pode ser praticado segundo as formas previstas no caput e § 1º, na nova
redação do art. 149.
A partir de agora, somente pode ser sujeito passivo deste crime quem se encontrar na condição de contratado, empregado, empreiteiro, operário (enfim, trabalhador) do sujeito ativo. Para configurar o crime é indispensável a relação ou “vínculo trabalhista” entre sujeito
ativo e sujeito passivo. A ausência dessa relação de prestação de serviço entre sujeito ativo e sujeito passivo impede que se configure esta infração penal, ainda que haja a restrição da liberdade prevista no dispositivo.


5. Violação de domicílio – Art. 150.

5.1 Bem jurídico tutelado
O bem jurídico protegido, neste tipo penal, continua sendo a liberdade individual. A intimidade e a privacidade, que são aspectos da liberdade individual.
A criminalização da violação de domicílio objetiva proteger a moradia, isto é, o lugar que o indivíduo “escolheu” para a sua morada, para o seu repouso e de sua família; o bem jurídico é a liberdade e a privacidade “individual-familiar” a que todo indivíduo tem direito.
Casa desabitada não é res nullius e também tem proteção jurídicopenal; não a mesma proteção que se dá à casa habitada, enquanto asilo inviolável do cidadão, mas a invasão daquela, dependendo das circunstâncias, poderá constituir algum crime contra o patrimônio. No entanto, se houver invasão de casa habitada, cujos moradores se encontrem ausentes, tipificará o crime de invasão de domicílio, pois, a despeito da ausência dos “moradores”, o lugar permanece como “habitado” e repositório da intimidade e privacidade que caracterizam a vida doméstica daqueles.
Durante a noite ninguém, nenhuma autoridade, mesmo com ordem judicial, pode entrar ou permanecer no recinto do lar, nos termos do texto constitucional; havendo ordem judicial, as autoridades deverão aguardar o amanhecer para só então, observando as formalidades legais (arts. 241 a 248 e 293, todos do CPP), poderem adentrar no recinto, que, independente de sua natureza ou condição, constitua o domicílio ou morada de alguém.
A ressalva constitucional permite o ingresso na casa, durante a noite, somente “em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro” (art. 5º, XI, in fine).

5.1.1 Definição jurídico-penal de domicílio
O legislador penal, definiu casa como:
a) qualquer compartimento habitado;
b) aposento ocupado de habitação coletiva;
c) compartimento não aberto ao público, onde alguém exerce profissão ou atividade (art. 150, § 4º).
O CP afastou aqueles locais que não devem ser considerados “casa” para efeitos penais:
a) hospedaria, estalagem ou qualquer outra habitação coletiva, enquanto aberta, salvo a restrição do inciso II do parágrafo anterior;
b) taverna, casa de jogo e outras do mesmo gênero (art. 150, § 5º).

5.2 Sujeitos do crime
Qualquer pessoa pode ser sujeito ativo, inclusive o proprietário, pois não são a posse e a propriedade os objetos da proteção legal, mas a intimidade e a privacidade domésticas, como corolário do direito de liberdade. O cônjuge separado ou divorciado que invade a residência do outro pratica, em tese, o crime de invasão de domicílio. O proprietário de casa alugada também pode ser sujeito ativo do crime de violação de domicílio, se, por exemplo, adentrá-la contra a vontade do locatário.
Sujeito passivo é o morador, que pode impedir ou anuir à entrada ou permanência na casa. Na ausência do morador, o direito de exclusão ou admissão transfere-se ao cônjuge, ascendentes, descendentes, empregados ou quaisquer outras pessoas que com ele convivam. Teoricamente, predomina a vontade do “chefe da família” ou cabeça do casal; havendo divergência, normalmente deve prevalecer a vontade daquele, desde que desse consentimento não fique ofendido ou exposto a perigo o direito de liberdade doméstica correspondente a cada um dos conviventes.
Quando se trata de habitação coletiva (colégio, convento, orfanato etc.), o direito de impedir ou admitir normalmente é atribuição do chefe ou diretor, cuja ausência é suprida por um substituto natural, e assim sucessivamente.

5.3 Tipo objetivo: adequação típica
Entrar significa introduzir-se, penetrar, ingressar, ou até mesmo invadir; permanecer significa ficar, continuar, conservar-se dentro. A permanência pressupõe a entrada lícita, incriminando-se a recusa em sair: o sujeito ativo entra licitamente nesse caso, mas insiste em ficar contra a vontade de quem de direito.
Entrar ou permanecer em casa desabitada ou abandonada não tipifica a conduta descrita como invasão de domicílio, embora, dependendo das circunstâncias, possa configurar outra infração penal, particularmente contra o patrimônio.

5.4 Tipo subjetivo: adequação típica
O elemento subjetivo deste crime é o dolo, representado pela vontade livre e consciente de entrar ou permanecer em casa alheia, contra a vontade do morador. Faz-se necessário que o agente tenha conhecimento do dissenso de quem de direito e de que se trata de “casa alheia”.

5.5 Consumação e tentativa
Consuma-se o crime de invasão de domicílio com a entrada ou permanência em casa alheia, contrariadas por quem de direito; na primeira hipótese, consuma-se tão logo o sujeito ativo se tenha introduzido completamente na casa alheia, independentemente do meio empregado; na segunda hipótese, no exato momento em que a conduta do agente demonstra sua efetiva intenção de permanecer no interior do aposento, a despeito do dissenso de quem de direito, ou quando o agente fica no interior da casa, além do necessário, apesar de solicitada a sua retirada.
A tentativa, embora de difícil configuração, é, teoricamente, admissível.

5.6. Formas qualificadas: tipos derivados

5.6.1 Durante a noite
Noite é o período do dia em que há, naturalmente, a ausência de luz solar, e, normalmente, inicia-se pouco mais de uma hora após o sol se pôr, e finda-se com o seu nascimento.

5.6.2 Lugar ermo
É aquele distante, afastado, de difícil acesso, isolado, habitualmente abandonado, onde a possibilidade de socorro é muito remota; é o local, geograficamente considerado, habitualmente solitário; não basta que eventualmente o lugar se encontre isolado ou não frequentado.

5.6..3 Emprego de violência
O texto legal é omisso quanto à natureza e espécie de violência exigida para configurar a qualificadora: a omissão no dispositivo em exame é a manifestação clara de que a grave ameaça não tem o condão de qualificar o crime. Como a lei fala em violência, sem especificar contra quem ou contra o quê, abrange a violência tanto contra a coisa como contra a pessoa.

5.6..4 Emprego de arma
Embora o texto legal não defina o que deve ser entendido por arma, acreditamos que tanto as próprias quanto as impróprias, desde que sejam idôneas para impingir medo na vítima, serão suficientes para caracterizar a qualificadora.

5.6.5 Duas ou mais pessoas
O concurso de pessoas, por si só, dificulta, quando não elimina, as possibilidades de resistência da vítima; torna muito mais grave o desvalor da ação praticada em concurso, independentemente da natureza da participação de cada um, se coautoria ou participação em sentido estrito.
Excludentes especiais
O § 3º do art. 150 do CP prescreve duas hipóteses:
I — durante o dia, com observância das formalidades legais, para efetuar prisão ou
outra diligência;
II — a qualquer hora do dia ou da noite, quando algum crime está sendo praticado ou na iminência de o ser”.

5.7 Ação penal
A ação penal é pública incondicionada, sendo dispensável qualquer manifestação do ofendido tanto para a sua instauração quanto para as providências investigatórias preliminares.


6. Violação de correspondência – Art. 151.

6.1 Bem jurídico tutelado
O bem jurídico protegido, neste artigo, é a inviolabilidade do sigilo da correspondência, das comunicações telegráficas e das comunicações telefônicas. O direito à intimidade ou privacidade, que é espécie do gênero direitos da personalidade, necessita e recebe a imediata proteção jurídico-constitucional.

6.2 Sujeitos do crime
Sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, não requerendo nenhuma condição particular. Somente não podem praticar este crime o remetente e o destinatário, ante a impossibilidade de se autoviolar o sigilo da própria correspondência. Será qualificado o crime se for praticado
com abuso de função, em serviço postal, telegráfico, radioelétrico ou telefônico, cuja pena será de um a três anos de detenção (§2º).
Sujeitos passivos (duplo), por sua vez, são os dois excluídos da possibilidade de serem sujeito ativo, isto é, o remetente e o destinatário da correspondência. Esses dois são os que sofrem o dano com a violação do sigilo da comunicação não protegido pela lei, como assegurado pela Constituição Federal, como garantia individual do cidadão. Enquanto a correspondência não chega às mãos do destinatário, pertence ao remetente.

6.3 Tipo objetivo: adequação típica
O art. 151, no caput e nos §§ 1º, I, e 2º, prevê as seguintes formas de conduta, tipificadoras de crimes distintos:
a) violação de correspondência (caput);
b) apossamento de correspondência (§ 1º, I);
c) violação de comunicação telegráfica, radioelétrica ou telefônica (§ 1º, II);
d) impedimento de comunicação ou conversação (§ 1º, III);
e) instalação ou utilização de estação de aparelho radioelétrico (§ 1º, IV).

6.3.1 Violação de correspondência
O núcleo do caput, que protege a inviolabilidade do sigilo da correspondência, é devassar, que significa descobrir, olhar, perscrutar, indevidamente, correspondência alheia fechada, total ou parcialmente. É desnecessária a abertura da correspondência; basta, por qualquer meio, tomar conhecimento do seu conteúdo.
É necessário que a correspondência seja fechada, isto é, que não tenha sido violada ou devassada por alguém.
O Código Penal não define o que deve ser entendido por correspondência. Deve ser abrangente. Assim, pode ser carta, bilhete, fax, fonograma, telex, telegrama, fita de vídeo, fita cassete, videolaser etc. Fundamental, mais que o meio ou tipo de correspondência, é que esteja fechada, demonstrando o seu caráter sigiloso e o desejo de que seu conteúdo seja conhecido somente pelo seu destinatário.

6.4 Violação de comunicação telegráfica, radioelétrica ou telefônica
Nos termos do inciso II, pratica o crime de “violação de comunicação” “quem indevidamente divulga, transmite a outrem ou utiliza abusivamente comunicação telegráfica ou radioelétrica dirigida a terceiro, ou conversação telefônica entre outras pessoas”.
As condutas tipificadas são: “divulgar”, “transmitir” ou “utilizar”. Divulgar significa dar publicidade, tornar público, propagar, difundir o conteúdo da comunicação, indevidamente; transmitir é comunicar, fazer chegar, transferir, em tese, a um número indeterminado de pessoas.

6.5 Interceptação de comunicação telefônica: exceção constitucional
A comunicação telefônica é a única a que a atual Constituição Federal permite exceção, eventualmente, ao princípio da inviolabilidade do sigilo das comunicações, desde que “por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal” (art. 5º, XII). A Lei n. 9.296/96 veio disciplinar as hipóteses possíveis (arts. 1º e 2º).

6.7 Instalação ou utilização ilegal de estação ou aparelho radioelétrico
O inciso IV do mesmo parágrafo comina a mesma pena do caput a “quem instala ou utiliza estação ou aparelho radioelétrico, sem observância de disposição legal”. Esse dispositivo, no entanto, foi revogado pela Lei n. 4.117, de 27 de agosto de 1962 (Código de Telecomunicações), que em seu art. 70 dispõe: “Constitui crime punível com a pena de detenção de 1 a 2 anos, aumentada da metade se houver dano a terceiro, a instalação ou utilização de telecomunicações, sem observância do disposto nesta lei e nos regulamentos” (redação dada pelo Decreto-Lei n. 236, de 28-2-1967), embora, normalmente, conste em todos os Códigos Penais, comuns e anotados, das principais editoras brasileiras, o texto revogado do Código Penal.

6.7 Tipo subjetivo: adequação típica
O elemento subjetivo é o dolo, que se constitui da vontade livre e consciente de violar o conteúdo de correspondência fechada (na hipótese do caput) dirigida a terceiro. É indispensável que o sujeito ativo tenha consciência de que a correspondência se destina a outrem e que, ainda assim, tenha a vontade de devassá-la.

6.8 Consumação e tentativa
Consuma-se o crime de violação de correspondência com o conhecimento do conteúdo da correspondência (1ª figura). Enfim, consuma-se o crime com o devassamento da correspondência, ou seja, com o conhecimento do seu conteúdo, que não precisa ser total
nem ser, na sua essência, segredo.
Na dita figura de “sonegação ou destruição” o crime se consuma com o efetivo apossamento; tratando-se de crime formal é desnecessário que o agente atinja a eventual finalidade da conduta, que pode ou não ocorrer.
A tentativa é admissível, verificando-se quando, por exemplo, alguém é interrompido por terceiro, quando está procurando violar o lacre de uma correspondência para descobrir seu conteúdo, embora não seja necessária a abertura do envelope para devassá-la; caracteriza,
igualmente, a tentativa, quando o agente não consegue apossar-se de correspondência, por circunstâncias alheias à sua vontade.

6.9 Cônjuge do destinatário: ilegitimidade da devassa
A convolação a núpcias, a nosso juízo, não confere a qualquer dos cônjuges o direito de violar o sigilo da correspondência do outro. Aníbal Bruno, mais contemporizador, admitia que, “em condições normais de convivência, é de presumir-se entre os cônjuges um consentimento tácito, que justificaria o fato”; contudo, não passa de mera presunção, que cede quando o outro cônjuge não consentir a violabilidade do sigilo de sua correspondência; nesse caso, será vedado o devassamento pelo outro.
No entanto, a despeito de não admitirmos o direito de qualquer dos cônjuges devassar a correspondência do outro, não chegamos ao extremo de considerá-la crime. Trata-se de um desvio de ordem éticosocial, censurável, nesse aspecto, mas não chega a tipificar infração
penal. Esse mau hábito de “bisbilhotar” a correspondência do outro cônjuge, longe de revelar harmonia, cumplicidade e identidade de propósito, destaca comportamento contraditório com esses objetivos e, certamente, não está abrangido pelos deveres conjugais estabelecidos no art. 231 e incisos do Código Civil.

6.10 Formas majoradas e qualificadas
A pena será de um a três anos de detenção, se o crime for praticado “com abuso de função em serviço postal, telegráfico, radioelétrico ou telefônico”. Neste caso, o agente deve praticar o crime com infringência a dever funcional. Esta qualificadora somente poderá incidir em funcionário de empresa postal, telegráfica, radioelétrica. Qualquer outro agente, mesmo funcionário de outros setores das comunicações, não incidirá nessa qualificadora.

6.11 Ação penal
A ação penal é pública condicionada à representação, com exceção dos casos dos §§ 1º, IV, e 3º, cuja ação penal é pública incondicionada. Titular do direito de representar será tanto o remetente quanto o destinatário, pois o que se protege não é o direito de propriedade da correspondência, mas a liberdade pessoal ou, mais especificamente, a privacidade individual, que é atingida pela violação do sigilo da correspondência.


7. Correspondência comercial - Art. 152.

7.1 Bem jurídico tutelado
O bem jurídico protegido aqui também é a inviolabilidade do sigilo da correspondência, acrescido de duas condições especiais, não exigidas no artigo anterior: uma relativa ao sujeito ativo, que só pode ser “sócio ou empregado”; outra referente à natureza do destinatário da correspondência, que é limitado a “estabelecimento comercial ou industrial”.
Na ótica do legislador, sigilos e segredos comerciais, invenções e novas tecnologias constituem interesses superiores aos protegidos no art. 151, pois somente essa avaliação justifica tamanha elevação da sanção penal. Embora o tipo penal não se limite à proteção desses interesses, devemos reconhecer que, não raro, podem ser objeto do conteúdo dessas correspondências.

7.2 Sujeitos do crime
Como crime próprio, somente poderá ser sujeito ativo quem reunir as qualidades ou condições especialmente exigidas pelo tipo penal, no caso, o sócio ou empregado de estabelecimento comercial ou industrial.
Para que o sujeito ativo incorra na proibição deste artigo, é indispensável que a conduta seja praticada com abuso da condição de sócio ou de empregado; como o tipo penal não exige que haja abuso de função, é desnecessário que o sócio ou o empregado seja o encarregado
de cuidar da correspondência do estabelecimento, sendo suficiente sua qualidade de “sócio ou empregado” e que, indevidamente, se aproveite dessa condição para desviar, sonegar, subtrair ou suprimir correspondência, ou revelar a estranho seu conteúdo, no todo ou em parte.
Sujeitos passivos, por sua vez, são o estabelecimento comercial ou industrial e os respectivos sócios, ou o estabelecimento e os demais sócios, na hipótese de um deles ser o sujeito ativo. Não têm legitimidade para ser sujeito passivo deste crime estabelecimentos prestadores de serviços, cooperativas, sociedades civis etc., por faltar-lhe a elementar típica “comercial ou industrial”.

7.3 Tipo objetivo: adequação típica
O núcleo do tipo é alternativo: desviar (desencaminhar), sonegar (esconder, não entregar), subtrair (tirar), suprimir (fazer desaparecer) ou revelar (divulgar) a estranho o conteúdo de correspondência.
A tipificação das condutas está limitada ao uso abusivo da condição de sócio ou empregado. Abusar significa praticar qualquer daquelas condutas indevidamente, sem justa causa, ou em condições inadequadas, isto é, em desacordo com a condição (atribuições, direitos ou deveres) de sócio ou de empregado. Se, no entanto, na prática de quaisquer daquelas condutas não houver abuso da especial condição do sujeito ativo (sócio ou empregado), isto é, agir nos limites do que lhe é permitido, não haverá o crime.
Somente a correspondência comercial encontra amparo no art. 152; não sendo comercial, a tutela da inviolabilidade do seu sigilo será abrangida pelo disposto no art. 151. Essa correspondência comercial pode assumir as mais variadas formas, tais como cartas, ofícios, requerimentos, fax, notas, avisos, memorandos, contas, faturas, duplicatas, “dossiês”, instruções, perícias, balancetes, levantamentos etc.

7.4 Tipo subjetivo: adequação típica
O elemento subjetivo é o dolo, constituído pela vontade livre e consciente de violar o sigilo da correspondência comercial, por meio das condutas descritas no tipo penal. O sujeito ativo deve, necessariamente, ter conhecimento de que a correspondência se destina ao estabelecimento (comercial ou industrial) e que tem o dever de zelar pela sua inviolabilidade e não revelar a estranho o seu conteúdo. O dolo pode apresentar-se sob a forma direta ou eventual.

7.5 Consumação e tentativa
Consuma-se o crime com a prática efetiva das ações de desviar, sonegar, subtrair ou suprimir a correspondência, ou, na segunda modalidade, revelar a estranho seu conteúdo.
A tentativa é admissível, na medida em que as condutas descritas admitem fracionamento, possibilitando a identificação

7.6 Ação penal
A ação penal é pública condicionada à representação. Titular do direito de representar serão tanto a pessoa jurídica quanto os sócios, quando o sujeito ativo houver sido um empregado; quando, porém, o sujeito ativo tiver sido um dos sócios, serão a própria pessoa jurídica e os demais sócios. Sócios e pessoa jurídica podem representar conjunta ou separadamente. A renúncia de qualquer deles não prejudica o direito dos demais.


8. Divulgação de segredo -  Art. 153.

8.1 Bem jurídico tutelado
O bem jurídico protegido é a preservação do sigilo de atos ou fatos secretos ou confidenciais, cuja divulgação pode causar dano a outrem; é, em termos esquemáticos, a inviolabilidade dos segredos, que, como nos dois artigos anteriores, representa um aspecto da liberdade
individual. A proteção penal, porém, limita-se a documentos particulares ou correspondências confidenciais.

8.2 Sujeitos do crime
Sujeito ativo será somente o destinatário ou detentor de documento particular ou de correspondência confidencial, que contenha segredo ou conteúdo confidencial, cuja revelação possa causar dano a alguém. Logo, é não só aquele a quem o documento ou correspondência se destina, como também quem, legítima ou ilegitimamente, o possui ou detém.
Embora o destinatário seja o “proprietário” do documento ou da correspondência confidencial, desde o dia em que a recebe, não pode dar-lhe publicidade sem autorização do seu autor ou remetente; caso contrário, responderá pelo crime.
Sujeito passivo é o titular do segredo, isto é, a pessoa cuja divulgação do conteúdo confidencial pode causar-lhe dano, ainda que não seja o autor do documento ou o remetente da correspondência; é, em outros termos, quem tem legítimo interesse em que se mantenha em segredo o conteúdo do documento particular ou da correspondência confidencial.

8.3 Tipo objetivo: adequação típica
Divulgar, sem justa causa, conteúdo de documento particular ou de correspondência confidencial, isto é, tornar público ou do conhecimento de um número indeterminado de pessoas. Objetiva a proteção da vida privada, mantendo secretos fatos relevantes, que não se deseja sejam divulgados.
O documento particular deve ter natureza sigilosa; no entanto, o caráter sigiloso, por si só, é insuficiente para tipificar o crime, sendo necessário que se vincule ao dano, efetivo ou potencial, que a divulgação possa produzir. Documento e correspondência devem ter interesse moral ou material, uma vez que fatos inócuos não podem converter-se em segredos, protegidos pelo Direito Penal, pela simples vontade do remetente.
Estão excluídas da proteção penal as “confidências” obtidas verbalmente, isto é, através da fala, oralmente.

8.4 Tipo subjetivo: adequação típica
Elemento subjetivo é o dolo, representado pela vontade livre e consciente de divulgar o conteúdo de documento particular ou correspondência confidencial, tendo consciência de tratar-se de conteúdo sigiloso e que pode produzir dano a alguém. Ademais, é necessário que o agente tenha consciência de que a sua conduta é ilegítima, isto é, sem justa causa.

8.5 Consumação e tentativa
Consuma-se o crime com o ato de divulgar, independentemente da ocorrência efetiva de dano, pois o próprio tipo exige somente que a conduta tenha a potencialidade para produzir dano, sendo desnecessário que este se efetive, tratando-se, pois, de crime formal. É insuficiente a comunicação a uma só pessoa ou a um número restrito de pessoas: faz-se necessária uma difusão extensiva, algo que torne possível o conhecimento de um número indeterminado de pessoas.
A tentativa é de difícil configuração, mas teoricamente possível

8.6 Divulgação de informações sigilosas ou reservadas
A Lei n. 9.983/2000 acrescentou que constitui crime a divulgação, sem justa causa, de informações sigilosas ou reservadas, independentemente de constarem ou não nos sistemas de informações ou banco de dados da Administração Pública. Tudo que se disse a respeito
do verbo “divulgar” e da elementar normativa “sem justa causa” relativamente ao tipo anterior se aplica a esta nova infração penal.

8.6.1 Bem jurídico protegido
O bem jurídico protegido continua sendo a liberdade individual, apenas sob o aspecto da privacidade, e a inviolabilidade da intimidade pessoal, especialmente resguardados os dados e informações pessoais armazenados pela Administração Pública.

8.6.2 Informações sigilosas ou reservadas: definidas em lei
O vocábulo “informações” pode ter uma abrangência exagerada, incompatível com as limitações próprias do direito penal. Por isso, o texto legal se encarrega de limitar-se àquelas “definidas em lei”. Assim, não bastam tarjas, faixas, carimbos ou coisa do gênero que as definam como sigilosas para que adquiram essa condição.

8.7 Ação penal
A ação penal é pública condicionada à representação; trata-se de direito disponível, e, como tal, o início da ação penal depende de provocação do ofendido. Havendo prejuízo para a Administração Pública, a ação penal será pública incondicionada (§ 2º).


9. Violação do segredo profissional -  Art. 154.

9.1 Bem jurídico tutelado
O bem jurídico protegido continua sendo, também neste artigo, a liberdade individual, agora sob o aspecto da inviolabilidade do segredo profissional; é, como realça o nomen iuris, o sigilo de segredo profissional, cuja divulgação pode causar dano a outrem.

9.2 Sujeitos do crime
Sujeito ativo somente pode ser quem tem ciência de segredo em razão de função, ministério, ofício ou profissão. Trata-se de uma modalidade muito peculiar de crime próprio, uma vez que a condição especial não se encontra no sujeito ativo, mas na natureza da atividade que lhe possibilita ter ciência do segredo profissional.
Sujeitos ativos são os confidentes necessários, aqueles a quem são confiados segredos em razão do seu mister, no caso em apreço, função, ministério, ofício ou profissão. A terminologia confidentes necessários fundamenta-se na essência de determinadas atividades
em que a relação profissional—cliente encerra confidências, sigilos, segredos, cuja revelação indevida fere, no mínimo, a ética profissional.
Sujeito passivo é o titular do segredo, que pode ser pessoa física ou jurídica a quem pertencem os dados secretos.

9.3 Tipo objetivo: adequação típica
A conduta tipificada é revelar, que significa contar a alguém segredo profissional. Revelar tem uma abrangência mais restrita do que divulgar: aqui implica um número indeterminado de pessoas; lá é suficiente alguém.
Esta matriz típica objetiva a proteção do segredo profissional específico, da criação e da invenção, mantendo secretos fatos relevantes, punindo, além da violação dos segredos de que se tem conhecimento no exercício de certas atividades profissionais, a espionagem industrial, comercial e artística. A proteção inclui o segredo oral e não apenas documental.

9.4 Tipo subjetivo: adequação típica
Elemento subjetivo é o dolo representado pela vontade livre e consciente de revelar segredo de que teve conhecimento em razão de função, ministério, ofício ou profissão, tendo consciência de que se trata de segredo profissional e que pode produzir dano a alguém.

9.5 Consumação e tentativa
Consuma-se o crime no momento em que o sujeito ativo revela a terceiro conteúdo de segredo de que teve ciência nas circunstâncias definidas no tipo penal; consuma-se com o simples ato de revelar, independentemente da ocorrência efetiva de dano, pois é suficiente que a revelação tenha potencialidade para produzir a lesão, que, se ocorrer, constituirá o exaurimento do crime.
É suficiente a comunicação a uma só pessoa, ao contrário do que ocorre com o crime de divulgação de segredo, que necessita ser difundido extensivamente, para um número indeterminado de pessoas.
A tentativa é de difícil configuração, mas teoricamente possível, especialmente através de meio escrito, pois não se trata de crime de ato único, e o fato de prever a potencialidade de dano decorrente da conduta de revelar, por si só, não a torna impossível.

9.6 Ação penal
A ação penal é pública condicionada à representação; trata-se de direito disponível, e, como tal, o início da ação penal depende de provocação do ofendido. Se o titular do segredo for menor de dezoito anos ou interdito, o direito de representar deve ser exercido pelo seu representante legal.


Um comentário: