1 Introdução
1.1 Conceito de criminologia. Características
Etimologicamente, criminologia vem do latim crimino (crime)
e do grego logos (estudo, tratado), significando o “estudo do crime”.
Para Afrânio Peixoto (1953, p. 11), a criminologia “é a
ciência que estuda os crimes e os criminosos, isto é, a criminalidade”.
Entretanto, a criminologia não estuda apenas o crime, mas também
as circunstâncias sociais, a vítima, o criminoso, o prognóstico delitivo etc.
Pode-se conceituar criminologia como a ciência empírica
(baseada na observação e na experiência) e interdisciplinar que tem por objeto
de análise o crime, a personalidade do autor do comportamento delitivo, da
vítima e o controle social das condutas criminosas.
1.2 Objeto
Embora tanto o direito penal quanto a criminologia se ocupem de
estudar o crime, ambos dedicam enfoques diferentes para o fenômeno criminal.
Atualmente o objeto da criminologia está dividido em
quatro vertentes: delito, delinquente, vítima e controle social.
No que se refere ao delito, a criminologia tem toda uma
atividade verificativa, que analisa a conduta antissocial, suas causas
geradoras, o efetivo tratamento dado ao delinquente visando sua não
reincidência, bem assim as falhas de sua profilaxia preventiva.
Assim, para a criminologia, o crime é um fenômeno
social, comunitário e que se mostra como um “problema” maior, a
exigir do pesquisador uma empatia para se aproximar dele e o entender em suas
múltiplas facetas. Destarte, a relatividade do conceito de delito é patente na
criminologia, que o observa como um problema social.
Não apenas o crime interessa à criminologia. O estudo do delinquente
se mostra muito sério e importante.
O estudo atual da criminologia não confere mais a extrema
importância dada ao delinquente pela criminologia tradicional, deixando-o em
plano secundário de interesse.
Salienta Sérgio Salomão Shecaira (2008, p. 54) que “o
criminoso é um ser histórico, real, complexo e enigmático, um ser absolutamente
normal, pode estar sujeito às influências do meio (não aos determinismos)”.
E arremata: “as diferentes perspectivas não se excluem; antes, completam-se
e permitem um grande mosaico sobre o qual se assenta o direito penal atual”.
Outro aspecto do objeto da criminologia se relaciona com o papel
da vítima na gênese delitiva. Nos dois últimos séculos, o direito penal
praticamente desprezou a vítima, relegando-a a uma insignificante participação
na existência do delito.
Ressalte-se que a vitimologia permite estudar inclusive a
criminalidade real, efetiva, verdadeira, por intermédio da coleta de informes
fornecidos pelas vítimas e não informados às instâncias de controle (cifra
negra de criminalidade).
O controle social é também um dos caracteres do objeto
criminológico, constituindo-se em um conjunto de mecanismos e sanções sociais
que buscam submeter os indivíduos às normas de convivência social.
Há dois sistemas de controle que coexistem na sociedade: o controle
social informal (família, escola, religião, profissão, clubes de serviço
etc.), com nítida visão preventiva e educacional, e o controle social formal
(Polícia, Ministério Público, Forças Armadas, Justiça, Administração
Penitenciária etc.), mais rigoroso que aquele e de conotação político-criminal.
2 História da criminologia
2.1 Evolução histórica da criminologia
Não existe uniformidade na doutrina quanto ao surgimento da
criminologia segundo padrões científicos, porque há diversos critérios e
informes diferentes que procuram situá-la no tempo e no espaço.
É bem verdade que a criminologia como ciência autônoma existe há
pouco tempo, mas também é indiscutível que ela ostenta um grande passado, uma
enorme fase pré-científica.
Muitos doutrinadores afirmam que o fundador da criminologia
moderna foi Cesare Lombroso, com a publicação, em 1876, de seu livro O homem
delinquente.
Para outros, foi o antropólogo francês Paul Topinard quem, em
1879, teria empregado pela primeira vez a palavra “criminologia”, e há os que
defendem a tese de que foi Rafael Garófalo quem, em 1885, usou o termo como
nome de um livro científico.
2.2 Criminologia pré-científica (precursores). Criminologia
científica
Desde os tempos remotos da Antiguidade já se visualizava alguma
discussão sobre crimes e criminosos. A título de exemplificação, observe-se o
seguinte estudo esquemático:
Antiguidade
Código de Hamurábi (punição de funcionários corruptos); Homero
(Ilíada e Odisseia, relação entre crimes, guerras e crueldades a seu tempo);
Hipócrates (460-377 a.C.; alteração da saúde mental pelos humores); Protágoras
(485-410 a.C.; “o homem é a medida de todas as coisas” – lutou para que a pena
pudesse corrigir e intimidar); Diógenes (desprezo à riqueza e às convenções);
Confúcio (desigualdades sociais impossibilitam o governo do povo); Platão (a
República, reeducar o criminoso se possível; caso não, este deveria ser expulso
do país – primeiros traços do direito penal do inimigo); Aristóteles
(causas econômicas do delito).
Teólogos
São Jerônimo (a vida é o espelho da alma); Santo Tomás de Aquino
(a pobreza gera o roubo; justiça distributiva).
Filósofos e humanistas
Thomas Morus (utopia ideal; o ouro é a causa de todos os males);
Hobbes (os governantes devem dar segurança aos súditos); Montesquieu (o
legislador deveria evitar o delito em vez de castigar; liberdade dentro da lei;
separação de Poderes); Voltaire (pobreza e miséria como fatores criminógenos);
Rousseau (pacto social, indivíduo submetido à vontade geral).
Penólogos
John Howard (criador do sistema penitenciário, em 1777); Jeremy
Bentham (utilitarismo; vigilância severa dos presos); Jean Mabilon (prisões em
monastérios, 1632).
Ocultismo: astrologia (estudo do destino do homem pelo zodíaco),
oftalmoscopia (caráter do homem pela medida dos olhos), metoposcopia (exame do caráter
pelas rugas do homem), quiromancia (exame do passado e futuro pelas linhas das
mãos), fisiognomonia (estudo do caráter das pessoas elos traços da fisionomia)
e demonologia (investigação de pessoas possuídas pelo demônio e que apresentam na
sua face a marca do mal – stigma diaboli)
3 Estatística criminal
Convém diferenciar a criminalidade real da criminalidade
revelada e da cifra negra: a primeira é a quantidade efetiva de crimes
perpetrados pelos delinquentes; a segunda é o percentual que chega ao
conhecimento do Estado; a terceira, a porcentagem não comunicada ou elucidada.
Como subtipo da cifra negra, convém mencionar a denominada cifra
dourada, isto é, as infrações penais praticadas pela elite, não reveladas
ou apuradas, por exemplo, os crimes de sonegação fiscal, as falências
fraudulentas, a lavagem de dinheiro, os crimes eleitorais etc.
3.1 Cifra negra. Cifra dourada
Ressalte-se que os dados somente se oficializam, em termos
criminais, segundo uma lógica de atos tríplices: detecção do crime + notificação
+ registro em boletim de ocorrência.
Há uma série expressiva de delitos não comunicados pelas vítimas
às autoridades. Várias são as razões que as levam a isso:
1) a vítima omite o ato criminoso por vergonha ou medo (crimes
sexuais);
2) a vítima entende que é inútil procurar a polícia, pois o bem
violado é mínimo (pequenos furtos);
3) a vítima é coagida pelo criminoso (vizinho ou conhecido);
4) a vítima é parente do criminoso;
5) a vítima não acredita no aparato policial nem no sistema
judicial etc.
Nesse contexto, ocorre aquilo que se denomina cifra negra,
isto é, o número de delitos que por alguma razão não são levados ao
conhecimento das autoridades, contribuindo para uma estatística divorciada da
realidade fenomênica.
A cifra dourada, que “representa a criminalidade de
‘colarinho branco’, definida como práticas antissociais impunes do poder
político e econômico (a nível nacional e internacional), em prejuízo da
coletividade e dos cidadãos e em proveito das oligarquias econômico financeiras”.
Então haveria dupla falha nos dados estatísticos oficiais: a
cifra negra (representada pela ausência de dados dos crimes de rua, como
furtos, roubos, estupros etc.) e a cifra dourada (ausência de registro dos
crimes políticos, ambientais, de corrupção etc.).
5.8.1 Neorretribucionismo (lei e ordem; tolerância zero; broken
windows)
Uma vertente diferenciada surge nos Estados Unidos, com a
denominação lei e ordem ou tolerância zero (zero tolerance),
decorrente da teoria das “janelas quebradas” (broken windows theory). Alguns a
denominam realismo de direita ou neorretribucionismo.
Parte da premissa de que os pequenos delitos devem ser
rechaçados, o que inibiria os mais graves (fulminar o mal em seu nascedouro),
atuando como prevenção geral; os espaços públicos e privados devem ser
tutelados e preservados.
Teoria das Janelas Quebradas (Broken Windows Theory). Essa
teoria parte da premissa de que existe uma relação de causalidade entre a desordem
e a criminalidade.
A teoria das janelas quebradas (ou broken windows
theory), desenvolvida nos EUA e aplicada em Nova York, quando Rudolph
Giuliani era prefeito, por meio da Operação Tolerância Zero, reduziu
consideravelmente os índices de criminalidade naquela cidade.
Em Nova York, após a atuação de Rudolph Giuliani (prefeito) e de
Willian Bratton (chefe de polícia) com a “zero tolerance”, os índices de
criminalidade caíram 57% em geral e os casos de homicídios caíram 65%, o que é
no mínimo elogiável.
Índices semelhantes foram obtidos em Los Angeles, Las Vegas e
São Francisco, que, guardadas as devidas proporções, adotaram a “zero
tolerance” em seus domínios, valendo ressaltar que Willian Bratton foi chefe de
Polícia em Los Angeles por 7 anos, aposentando-se em outubro de 2009.
Em contrapartida, no Brasil a criminalidade é crescente e
organizada a partir dos presídios. Como se não bastasse, progridem também as
medidas despenalizadoras, na contramão da história e da necessidade de maior
proteção do direito à segurança da sociedade, um direito constitucional
fundamental e difuso. Mais disso, na periferia dos grandes centros urbanos
brasileiros predomina uma indiscutível ausência estatal e, via de regra, uma
desordem crescente, formando o ambiente favorável à instalação do crime
organizado, das milícias etc.
4 Bioantropologia criminal
4.1 Teorias bioantropológicas
Pode-se afirmar que os primeiros estudos bioantropológicos, ou
melhor, biológicos, foram desenvolvidos por Lombroso, com predomínio das
análises morfológicas e fisiognômicas.
Nesse prisma, ganhou relevo a antropometria (estudos das
medidas e proporções do organismo humano para fins de estatística e
comparação), que serviria de base para os estudos subsequentes.
Merecem destaque as teorias dos tipos de autor (Kretschmer,
1921) e das personalidades psicóticas (Schneider, 1923).
Kretschmer (tipos de autor) diferenciou quatro tipos de
constituição corporal:
1) Leptossômicos: alta estatura, tórax largo, peito
fundo, cabeça pequena, pés e mãos curtos, cabelos crespos (propensão ao furto e
estelionato).
2) Atléticos: estatura média, tórax largo, musculoso,
forte estrutura óssea, rosto uniforme, pés e mãos grandes, cabelos fortes
(crimes violentos).
3) Pícnicos: tórax pequeno, fundo, curvado, formas
arredondadas e femininas, pescoço curto, cabeça grande e redonda, rosto largo e
pés, mãos e cabelos curtos (menor propensão ao crime).
4) Displásicos: pessoas com corpo desproporcional, com
crescimento anormal (crimes sexuais).
As maiores críticas a essa corrente foram no sentido de que
tinham forte tendência discriminatória, adotadas pelo nazi-facismo para
justificar a eliminação de “raças inferiores”.
Por seu turno, Kurt Schneider (1923) desenvolveu o conceito de personalidades
psicóticas, sustentando tratar-se de personalidades alteradas na
afetividade e nos sentimentos individuais. Importante notar que, para essa
teoria, as anomalias são mais de caráter que de inteligência,conforme a lição
de Winfried Hassemer e Muñoz Conde
4.2 Teorias bioantropológicas modernas
Estas teorias acreditam que há pessoas predispostas para o
crime, cuja explicação depende de variáveis congênitas (relativas à estrutura
orgânica do indivíduo). O criminoso é um ser organicamente diferente do cidadão
normal.
Desde a segunda metade do século XX, a genética médica vem
procurando destacar a possibilidade de transmissão de fatores hereditários na
gênese do delito. É certo que os fatores genéticos são transmitidos por meio
dos cromossomos, valendo citar que o homem tem 46 deles. Por outro lado,
sabe-se, igualmente, que o substrato da hereditariedade é o denominado DNA
(ácido desoxirribonucleico), molécula em duplo espiral que contém até 200 mil
genes, encontrada com mais quantidade nos glóbulos brancos, fios de cabelo,
esperma etc.
O DNA é formado pela associação de bases nitrogenadas na
seguinte conformidade: adenina/timina; citosina/guanina.
Esquema do DNA
A partir do ano 2000 vários cientistas começam a decifrar o
genoma humano, traçando o esboço do mapa genético de três cromossomos (11% do
todo).
Sustenta-se que a herança genética se manifesta ao mesmo tempo
por semelhanças e diferenças. As semelhanças derivam diretamente dos caracteres
passados de pai para filho, ao passo que as diferenças aparecem em consequência
da herança de outros ancestrais (atavismo).
Assim, na bagagem genética estariam inseridos os caracteres
morfológicos (sexo, raça, estatura etc.), fisiológicos (sexualidade, força
muscular etc.) e psicológicos (sensibilidade, inteligência etc.).
5 Vitimologia
5.1 Conceito de vitimologia
A vitimologia é o terceiro componente da antiga tríade
criminológica: criminoso, vítima e ato (fato crime). Acrescentamos ainda os
meios de contenção social.
É, na verdade, um conceito evolutivo, passando do aspecto
religioso (imolado ou sacrificado; evitar a ira dos deuses) para o jurídico.
A vítima, que sofre um resultado infeliz dos próprios atos
(suicida), das ações de outrem (homicídio) e do acaso (acidente).
Por conta de razões culturais e políticas, a sociedade sempre
devotou muito mais ódio pelo transgressor do que piedade pelo ofendido.
A vitimologia é a ciência que se ocupa da vítima e da
vitimização, cujo objeto é a existência de menos vítimas na sociedade, quando
esta tiver real interesse nisso. (Benjamim Mendelsohn)
5.2 Classificação das vítimas
Uma primeira classificação importante das vítimas é atribuída a
Benjamim Mendelsohn, que leva em conta a participação ou provocação da
vítima:
a) vítimas ideais (completamente inocentes);
b) vítimas menos culpadas que os criminosos (ex
ignorantia);
c) vítimas tão culpadas quanto os criminosos (dupla
suicida, aborto consentido, eutanásia);
d) vítimas mais culpadas que os criminosos (vítimas por
provocação que dão causa ao delito);
e) vítimas como únicas culpadas (vítimas agressoras,
simuladas e imaginárias).
Dessa forma, Mendelsohn sintetiza a classificação em três
grupos:
a) vítima inocente, que não concorre de forma alguma para
o injusto típico;
b) vítima provocadora, que, voluntária ou imprudentemente,
colabora com o ânimo criminoso do agente;
c) vítima agressora, simuladora ou imaginária, suposta ou
pseudovítima, que acaba justificando a legítima defesa de seu agressor.
É muito importante aferir o binômio criminoso/vítima, sobretudo
quando esta interage no fato típico, de forma que a análise de seu perfil
psicológico desponta como fator a ser considerado no desate judicial do delito
(vide, nos casos de extorsão mediante sequestro, a ocorrência da chamada
“síndrome de Estocolmo”, na qual a vítima se afeiçoa ao criminoso e
interage com ele pelo próprio instinto de sobrevivência).
Por sua vez, Hans von Hentig elaborou a seguinte
classificação:
1º grupo – criminoso – vítima – criminoso (sucessivamente),
reincidente que é hostilizado no cárcere, vindo a delinquir novamente pela
repulsa social que encontra fora da cadeia;
2º grupo – criminoso – vítima – criminoso (simultaneamente),
caso das vítimas de drogas que de usuárias passam a ser traficantes;
3º grupo – criminoso – vítima (imprevisível), por exemplo,
linchamentos, saques, epilepsia, alcoolismo etc.
Na Europa (Alemanha e Espanha) e nos EUA as tendências
político-criminais desenham-se em quatro grandes vertentes:
1) Maior proteção de vítimas, mediante a redução de direitos e
garantias do criminoso no processo penal (por exemplo, uso de prova ilícita;
maior valor ao depoimento da vítima que do réu; facilitação da prisão
preventiva etc.), o que provocou a indignação e a perplexidade de Hassemer (2008,
p. 148).
2) Investimento na aplicação e execução de penas de prisão,
sobretudo a perpétua, assim também a pena de morte, afastando a reinserção
social para estupradores, terroristas, traficantes, assassinos em série etc.; paralelamente,
a adoção de medidas rígidas de policiamento com base na lei e ordem e
tolerância zero para todos os crimes, inclusive os de menor poder ofensivo, o que
também provocou a ira do renomado penalista alemão.
3) Ampliação da participação da vítima no processo penal,
auxiliando na produção de provas e mesmo substituindo o acusador oficial.
4) Por derradeiro, o fomento à ajuda e atenção à vítima por
parte das instituições públicas, com a criação de órgãos de apoio e proteção,
bem como o dever estatal de indenização, caso o réu seja insolvente,
prevenindo-se a vitimização terciária.
No Brasil as ações afirmativas de tutela de vítimas da violência
são ainda extremamente tímidas, na medida em que se vive uma crise de valores
morais, culturais e da própria autoridade constituída, com escândalos de
corrupção grassando nos três poderes da República.
5.3 Vitimização primária, secundária e terciária
A legislação penal e processual penal brasileira emprega os
termos “vítima”, “ofendido” e “lesado” indistintamente, por vezes até como
sinônimos. Porém, entende-se que a palavra “vítima” tem cabimento específico
nos crimes contra a pessoa; “ofendido” designa aquele que sofreu delitos contra
a honra; e “lesado” alcança as pessoas que sofreram ataques a seu patrimônio.
A criminologia, ao analisar a questão vitimológica, classifica a
vitimização em três grandes grupos, conforme veremos adiante.
• Vitimização primária: é normalmente entendida como aquela provocada pelo cometimento
do crime, pela conduta violadora dos direitos da vítima – pode causar danos
variados, materiais, físicos, psicológicos, de acordo com a natureza da
infração, a personalidade da vítima, sua relação com o agente violador, a
extensão do dano etc. Então, é aquela que corresponde aos danos à vítima decorrentes
do crime.
• Vitimização secundária: ou sobrevitimização; entende-se ser
aquela causada pelas instâncias formais de controle social, no decorrer do
processo de registro e apuração do crime, com o sofrimento adicional causado
pela dinâmica do sistema de justiça criminal (inquérito policial e processo
penal).
• Vitimização terciária: falta de amparo dos órgãos públicos às vítimas; nesse
contexto, a própria sociedade não acolhe a vítima, e muitas vezes a incentiva a
não denunciar o delito às autoridades, ocorrendo o que se chama de cifra
negra (quantidade de crimes que não chegam ao conhecimento do Estado).
6 Classificação dos
criminosos
6.1 Classificação dos criminosos
Procurando fugir das classificações que levavam mais em conta a
personalidade do autor, o festejado mestre Hilário Veiga de Carvalho propôs a
famosa classificação etiológica de delinquentes, conforme a prevalência de
fatores biológicos ou mesológicos, a saber:
Biocriminosos puros (pseudocriminosos)
São aqueles que apresentam apenas fatores biológicos;
aplica-se-lhes tratamento médico psiquiátrico em manicômio judiciário; é o caso
dos psicopatas ou epiléticos que, em crise, efetuam disparos de arma de fogo ou
dos retardados mentais severos, esquizofrênicos e outros.
Biocriminosos preponderantes (difícil correção)
São aqueles que tendem ao delito motu proprio; neles já
se apresentam alguns fatores mesológicos, porém em menor quantidade; portadores
de alguma anomalia biológica, insuficiente para desencadear a ofensiva
criminosa, cedem a estímulos externos e a eles respondem facilmente (“a
ocasião faz o ladrão”); sugere-se o tratamento em colônias disciplinares,
casas de custódia ou institutos de trabalho, com assistência
médico-psiquiátrica e eventual internação em hospital psiquiátrico, temporária
ou definitivamente, conforme o caso; reincidência potencial; engendram sequestros,
roubos e/ou latrocínios, que “cometem por cometer”. Reincidentes com eficácia,
por vezes ouvem vozes que os encorajam ao crime.
Biomesocriminosos (correção possível)
São aqueles que sofrem influências biológicas e do meio, mas é
impossível decidir quais os fatores que mais pesam na conduta delituosa;
reincidência ocasional; sustenta-se o tratamento em regime de reformatório
progressivo e apoios médico e pedagógico; exemplo: o jovem, inconformado com a
sujeição paterna, sonha com um carro (objeto do desejo) e, vivendo num ambiente
em que vigoram a impunidade e o sucesso, vale qualquer preço, rouba um
automóvel a mão armada.
Mesocriminosos preponderantes (correção esperada)
Em geral são tíbios no caráter; fraqueza da personalidade (eram
chamados por Hilário Veiga de Carvalho de “Maria vai com as outras”); embora
presentes ambos os fatores, os mesológicos ou ambientais são mais numerosos;
reincidência excepcional; aponta-se o tratamento em colônias, com apoio sociopedagógico.
Mesocriminosos puros
Nestes só atuam fatores mesológicos, isto é, do meio social;
agem antissocialmente por força de ingerências do meio externo, tornando-se
quase “vítimas das circunstâncias exteriores”, caso do brasileiro que, a
serviço no Oriente, é surpreendido bebendo pelas autoridades locais após o
término de sua jornada de trabalho, apenado com chibatadas, por se tratar de ilícito
naquele lugar. No Brasil, tal conduta é irrelevante para o direito penal. É o
caso ainda do índio que, no seio do grupo “civilizado”, pratica ato tido como
delituoso, mas aceito com normalidade em seu meio. São pseudocriminosos, tendo
em vista que o crime emana apenas do meio ambiente em que vivem.
6.2 Classificações de Cesare Lombroso, Enrico Ferri e Rafael
Garófalo
6.2.1 Classificação de Cesare Lombroso
Criminoso nato: influência biológica, estigmas, instinto criminoso, um
selvagem da sociedade, o degenerado (cabeça pequena, deformada, fronte fugidia,
sobrancelhas salientes, maçãs afastadas, orelhas malformadas, braços compridos,
face enorme, tatuado, impulsivo, mentiroso e falador de gírias etc.). Depois
agregou ao conceito a epilepsia. Na verdade, Lombroso estudou as
características físicas do criminoso, não empregando a expressão “criminoso nato”,
como se supõe, na lição autorizada de Newton e Valter Fernandes (2002).
Criminosos loucos: perversos, loucos morais, alienados mentais que devem
permanecer no hospício.
Criminosos de ocasião: predispostos hereditariamente, são pseudocriminosos; “a ocasião
faz o ladrão”; assumem hábitos criminosos influenciados por circunstâncias.
Criminosos por paixão: sanguíneos, nervosos, irrefletidos, usam da violência para solucionar
questões passionais; exaltados.
6.2.2. Classificação de Enrico Ferri
Criminoso nato: degenerado, com os estigmas de Lombroso, atrofia do senso
moral (Macbeth, de Shakespeare); aliás, a expressão “criminoso nato” seria de
autoria de Ferri e não de Lombroso, como erroneamente se pensava.
Criminoso louco: além dos alienados, também os semiloucos ou fronteiriços (Hamlet,
de Shakespeare).
Criminoso ocasional: eventualmente comete crimes; “o delito procura o indivíduo”.
Criminoso habitual: reincidente na ação criminosa, faz do crime sua profissão;
seria a grande maioria, a transição entre os demais tipos; começaria
ocasionalmente até degenerarse.
Criminoso passional: age pelo ímpeto, comete o crime na mocidade; próximo do louco,
tempestade psíquica (Otelo, de Shakespeare).
6.2.3 Classificação de Garófalo (que propôs a pena de morte sem
piedade aos criminosos natos ou sua expulsão do país)
Criminosos assassinos: são delinquentes típicos; egoístas, seguem o apetite
instantâneo, apresentam sinais exteriores e se aproximam dos selvagens e das
crianças.
Criminosos enérgicos ou violentos: falta-lhes a
compaixão; não lhes falta o senso moral; falso preconceito; há um subtipo, os
impulsivos (coléricos).
Ladrões ou neurastênicos: não lhes falta o senso moral; falta-lhes
probidade, atávicos às vezes; pequenez, face móvel, olhos vivazes, nariz
achatado etc.
6.3 Classificação natural de Odon Ramos Maranhão
Na sistemática proposta, Odon adotou uma classificação
natural de criminosos, a saber:
Criminoso ocasional: personalidade normal, poderoso fator desencadeante, e ato consequente
do rompimento transitório dos meios contensores dos impulsos.
Criminoso sintomático : personalidade com perturbação transitória
ou permanente;mínimo ou nulo fator desencadeante; ato vinculado à
sintomatologia da doença.
Criminoso caracterológico: personalidade com defeito constitucional ou
formativo do caráter; mínimo ou eventual fator desencadeante e ato ligado à
natureza do caráter do agente.
7 Prevenção criminal
7.1 Conceito de prevenção
Entende-se por prevenção delitiva o conjunto de ações que
visam evitar a ocorrência do delito.
A noção de prevenção delitiva não é algo novo, suportando
inúmeras transformações com o passar dos tempos em função da influência
recebida de várias correntes do pensamento jusfilosófico.
Para que possa alcançar esse verdadeiro objetivo do Estado de
Direito, que é a prevenção de atos nocivos e consequentemente a manutenção da
paz e harmonia sociais, mostra-se irrefutável a necessidade de dois tipos de
medidas: a primeira delas atingindo indiretamente o delito e a
segunda, diretamente.
Em regra, as medidas indiretas visam as causas do crime, sem
atingi-lo de imediato. O crime só seria alcançado porque, cessada a causa,
cessam os efeitos (sublata causa tolitur efectus). Trata-se de excelente
ação profilática, que demanda um campo de atuação intenso e extenso, buscando
todas as causas possíveis da criminalidade, próximas ou remotas, genéricas ou
específicas.
Tais ações indiretas devem focar dois caminhos básicos: o
indivíduo e o meio em que ele vive.
Em relação ao indivíduo, devem as ações observar seu aspecto
personalíssimo, contornando seu caráter e seu temperamento, com vistas a moldar
e motivar sua conduta.
O meio social deve ser analisado sob seu múltiplo estilo de ser,
adquirindo tal atividade um raio de ação muito extenso, visando uma redução de
criminalidade e prevenção; até porque seria utopia zerar a criminalidade.
Todavia, a conjugação de medidas sociais, políticas, econômicas etc. pode
proporcionar uma sensível melhoria de vida ao ser humano.
Porém, da mesma forma que o meio pode levar o homem à
criminalidade, também pode ser um fator estimulante de alteração
comportamental, até para aqueles indivíduos com carga genético-biológica
favorável ao crime. Nesse aspecto, a urbanização das cidades, a desfavelização,
o fomento de empregos e reciclagem profissional, a educação pública, gratuita e
acessível a todos etc. podem claramente imbuir o indivíduo de boas ações e
oportunidades.
Na profilaxia indireta, assume papel relevante a
medicina, por meio dos exames prénatal, do planejamento familiar, da cura de
certas doenças, do uso de células-tronco embrionárias para a correção de
defeitos congênitos e a cura de doenças graves, da recuperação de alcoólatras e
dependentes químicos, da boa alimentação (mens sana in corpore sano)
etc., o que poderia facilitar, por evidente, a obtenção de um sistema
preventivo eficaz.
7.2 Prevenção primária, secundária e terciária
7.2.1 Primária
Ataca a raiz do conflito (educação, emprego, moradia, segurança
etc.); aqui desponta a inelutável necessidade de o Estado, de forma célere,
implantar os direitos sociais progressiva e universalmente, atribuindo a
fatores exógenos a etiologia delitiva; a prevenção primária liga-se à garantia
de educação, saúde, trabalho, segurança e qualidade de vida do povo,
instrumentos preventivos de médio e longo prazo.
7.2.2 Secundária
Destina-se a setores da sociedade que podem vir a padecer do
problema criminal e não ao indivíduo, manifestando-se a curto e médio prazo de
maneira seletiva, ligando-se à ação policial, programas de apoio, controle das
comunicações etc.
7.2.3 Terciária
Voltada ao recluso, visando sua recuperação e evitando a
reincidência (sistema prisional); realiza-se por meio de medidas
socioeducativas, como a laborterapia, a liberdade assistida, a prestação de
serviços comunitários etc.
7.3 Teoria da pena. A penologia
A pena é uma espécie de retribuição, de privação de bens jurídicos,
imposta ao delinquente em razão do ilícito cometido.
O estudo da pena constata a existência de três grandes correntes
sobre o tema: teorias absolutas, relativas e mistas.
As teorias absolutas (Kant, Hegel) entendem que a pena é
um imperativo de justiça, negando fins utilitários; pune-se porque se cometeu o
delito (punitur quia peccatum est).
As teorias relativas ensejam um fim utilitário para a
punição, sustentando que o crime não é causa da pena, mas ocasião para que seja
aplicada; baseia-se na necessidade social (punitur ne peccetur). Seus
fins são duplos: prevenção geral (intimidação de todos) e prevenção particular
(impedir o réu de praticar novos crimes; intimidá-lo e corrigi-lo).
Por fim, as teorias mistas conjugam as duas primeiras,
sustentando o caráter retributivo da pena, mas acrescentam a este os fins de
reeducação do criminoso e intimidação.
A penologia é a disciplina integrante da criminologia que
cuida do conhecimento geral das penas (sanções) e castigos impostos pelo Estado
aos violadores da lei.
8 Fatores sociais de
criminalidade
8.1 Abordagem sociológica
A vertente sociológica da criminalidade alcança níveis de
influência altíssimos na gênese delitiva.
Entre os fatores mesológicos, logo no início da vida humana
destaca-se a infância abandonada (lares desfeitos, pais separados,
crianças órfãs). Assiste-se a um número crescente de crianças que ganham as
ruas, transformando-se em pedintes profissionais, viciados em drogas,
criminalizados, sob o tacão do “pai de rua”, que as explora economicamente.
8.2 Pobreza. Emprego, desemprego e subemprego
As estatísticas criminais demonstram existir uma relação de
proximidade entre a pobreza e a criminalidade. Não que a pobreza
seja um fator condicionante extremo de criminalidade, tendo em vista a
ocorrência dos chamados “crimes do colarinho branco”, geralmente praticados
pelas camadas mais altas da sociedade.
Por outro lado, nos crimes contra o patrimônio, a imensa maioria
dos assaltantes é semialfabetizada, pobre, quando não miserável, com formação
moral inadequada. Percebe-se que nutrem ódio ou aversão àqueles que detêm
posses e valores. Esses sentimentos fazem crescer uma tendência criminal
violenta no indivíduo.
Nesse sentido, as causas da pobreza, conhecidas de todos – má
distribuição de renda, desordem social, grandes latifúndios improdutivos etc.
–, somente funcionam como fermento dos sentimentos de exclusão, revolta social
e consequente criminalidade. Por conseguinte, a repressão policial tem valor
limitado, na medida em que ataca as consequências da criminalidade patrimonial
e não as causas, justificando, no mais das vezes, as premissas da criminologia crítica
ou radical.
É bem verdade que, se a pobreza pode facilitar a vida
delitiva, a abastança também, caso contrário não haveria crimes do
colarinho branco, lavagem de dinheiro, delitos ambientais, corrupção do Poder
Público etc.
Ressalte-se que o subemprego ou desemprego disfarçado
(“homem-placa”, “vendedores de balas em semáforos” etc.), à vista da baixíssima
remuneração e da instabilidade pessoal e familiar que proporciona, não deixa de
ser um fator coadjuvante na escala ascendente da criminalidade. Lembre-se
também dos sacoleiros de fronteira, que, para aumentar seus ganhos, estimulam
o descaminho e o contrabando com a revenda desses produtos País afora.
8.3 Meios de comunicação. Habitação
Dentre os fatores sociais de criminalidade, destaca-se a ação
dos meios de comunicação em massa, sobretudo da televisão.
Todavia, mediante o discurso libertário da absoluta liberdade de
imprensa, assiste-se nas TVs à banalização do sexo e da violência em todos os
horários.
As concessionárias de rádio e televisão, nas respectivas
programações, descumprem um fundamento constitucional do Estado brasileiro: os
programas da mídia devem voltar-se para o respeito aos valores éticos da pessoa
humana e da família (art. 221, IV, da CF).
É claro que a televisão assume um papel pedagógico exponencial
nos dias modernos, criando estereótipos de comportamento, enaltecendo o amor
livre, incitando a banalização de violência, dentre outras atividades nefastas.
Dizem os policiais experimentados: “o indivíduo chega em casa
do trabalho, liga o televisor e desliga a família”, tamanha a influência
que ela ocupa na vida humana, papel que na atualidade está sendo ocupado pelo
computador e seus assemelhados.
Por seu turno, as condições desfavoráveis de habitação ou
moradia, como ocorre nos países em desenvolvimento ou emergentes, com a
proliferação de favelas, cortiços, casas de tapera, de pau a pique etc.,
propiciam a promiscuidade, a perdição, o desaparecimento de valores, o
desrespeito ao próximo e outros desvalores de comportamento, empurrando aqueles
que vivem ou sobrevivem nessas situações à prostituição, ao tráfico de drogas,
aos crimes contra o patrimônio e contra a vida.
8.4 Migração
A migração como movimento interno populacional dentro de um país
pode causar dificuldades de adaptação em face da diferença de costumes, usos,
hábitos, valores etc. de uma região para outra.
8.5 Crescimento populacional
O crescimento populacional desordenado ou não planejado figura
como fator delitógeno.
O aumento das taxas criminais por áreas geográficas é
proporcional ao crescimento da respectiva densidade demográfica populacional.
Assim, o crescimento desmedido da população de dada área
fortalece o índice de desempregados e de subempregados, desencadeando o
fenômeno pelo qual se aumenta a criminalidade na exata medida em que as
condições econômicas aumentam a pobreza, incidindo aí a componente social.
8.6 Preconceito. A criminalidade feminina
Preconceito é estereótipo negativo, ideia negativa
pré-concebida. Discriminação é o preconceito em ação, em atividade.
A doutrina da superioridade baseada em diferenças raciais é
cientificamente falsa, moralmente condenável, socialmente injusta e perigosa.
Não existe justificação para a discriminação racial, em teoria ou na prática,
em lugar algum.
Depois da abolição da escravatura, o que se viu foram três
consequências: a migração (não só de negros, mas de brancos espoliados),
a favelização (nos morros e na periferia das grandes cidades) e
finalmente a instalação da criminalidade nesses espaços.
Quem se propõe a estudar a criminalidade da mulher não
encontrará material adequado e profícuo, existindo certa negligência no
assunto.
8.7 Educação
A educação e o ensino são fatores inibitórios de criminalidade.
No entanto, sua carência ou defeitos podem contribuir para estabelecer um senso
moral distorcido na primeira infância.
9 Instâncias de controle
Toda sociedade politicamente organizada utiliza o monopólio da
força para manutenção da ordem, da paz social e da harmonia entre seus
cidadãos.
Trata-se de um corolário da teoria do contrato social de
Rousseau.
Assim é que no plano político são eleitos objetivos fundamentais
de atuação social, mediante os quais há que imperar uma comunhão de esforços
para alcançá-los; esforços e atitudes estes limitados por um processo de
normatização de comportamentos pessoais e sociais.
Estabelece-se, por conseguinte, o controle social como o
conjunto de mecanismos e sanções sociais que visam a submissão do homem aos
modelos e normas de convívio comunitário (Shecaira, 2008).
Num primeiro plano tem-se o controle social informal, que
se reflete nos órgãos da sociedade civil: família, escola, ciclo profissional,
opinião pública, clubes de serviço, igrejas etc.
De outro lado, destaca-se o controle social formal,
representado pelas instâncias políticas do Estado, isto é, a Polícia (1ª
seleção), o Ministério Público (2ª seleção), a Justiça (3ª seleção), as Forças
Armadas, a Administração Penitenciária etc.
devia citar a fonte de onde tirou...
ResponderExcluirMuito bom!
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