terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

Aula 3 - arts. 129-131

1. LESÕES CORPORAIS – ARTIGO 129 DO CÓDIGO PENAL

Artigo 129, caput, do Código Penal: “ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem”.
Ofensa à integridade corporal consiste no dano anatômico prejudicial ao corpo humano. Exemplo: corte, queimadura, mutilações etc.
Observações:
- Equimose: É a mancha roxa que fica na pele (rompimento dos vasos sanguíneos sob a pele). Constitui lesão.
- Hematoma: equimose onde houve um extravasamento de sangue maior, ocorrendo um inchaço. Caracteriza lesão.
- Eritema: vermelhidão passageira na pele provocada por um tapa, um beliscão. Não constitui lesão. Se o agente provoca eritema na vítima, responderá por tentativa de lesão corporal se sua intenção era lesioná-la. Se, entretanto, o agente não tinha intenção de machucar a vítima, responderá pela contravenção de vias de fato.
- Dor: a dor, por si só, não é lesão.
- Corte não autorizado de cabelo ou barba: caracteriza lesão corporal, salvo se a intenção do agente for a de humilhar a vítima, quando será caracterizada injúria real.
Ofensa à saúde é a provocação de perturbações de caráter psicológico e/ou fisiológico. Exemplo: transmitir intencionalmente uma doença, paralisia momentânea, provocar vômitos etc.
A provocação de mais de uma lesão em um mesmo contexto caracteriza crime único.

 

1.1. Sujeito Ativo

Qualquer pessoa, exceto o próprio ofendido. Saliente-se que a lei não pune a autolesão. A autolesão pode, entretanto, constituir crime de outra natureza, tais como autolesão para receber seguro (artigo 171, § 2.º, inciso V, do Código Penal), ou criação de incapacidade para frustrar a incorporação militar (artigo 184 do Código Penal Militar).

 

1.2. Sujeito Passivo

Qualquer pessoa, salvo nas hipóteses em que a vítima só poderá ser mulher grávida.

 

1.3. Consumação

No momento da ofensa à integridade física ou à saúde.

 

1.4. Tentativa

É possível. A tentativa de lesão corporal difere da contravenção de vias de fato (artigo 21 da Lei de Contravenções Penais), pois, na contravenção o agente não tem intenção de lesionar a vítima (exemplo: empurrão). Se o agente emprega violência ultrajante, com intenção de humilhar a vítima, estamos diante do crime de injúria real (artigo 140, § 2.º, do Código Penal).
Se o agente agride sem a intenção de lesionar, mas lesiona, ocorre a lesão corporal culposa, que afasta as vias de fato.

1.5. Lesão Leve
Por exclusão, é toda lesão que não for grave nem gravíssima. Pena: detenção de 3 (três) meses a 1 (um) ano. A lesão corporal leve é infração de menor potencial ofensivo.

1.5.1. Concurso de crimes
Em muitos crimes, como no roubo, por exemplo, a violência é utilizada como meio de execução. O que ocorrerá se da violência decorrer lesão leve?
No silêncio da lei a respeito do resultado violência, conclui-se que a lesão leve fica absorvida (exemplo: roubo, extorsão, estupro, crime de tortura etc.). Se, no entanto, a lei expressamente ressalvar a aplicação autônoma do resultado da violência, o agente responderá pelos dois crimes, sendo somadas as penas (exemplo: injúria real, constrangimento ilegal, dano qualificado, exercício arbitrário das próprias razões, resistência etc.).

 

1.5.2. Ação penal

O artigo 88 da Lei n. 9.099/95 transformou a lesão corporal dolosa leve em crime de ação penal pública condicionada à representação do ofendido. A jurisprudência e a doutrina estenderam a exigência da representação para as vias de fato.
Outra regra trazida pela Lei n. 9.099/95: para o oferecimento da denúncia não é necessário um exame de corpo de delito, basta um boletim de ocorrência ou ficha médica.

1.5.3. Lesão decorrente de esporte
Não há crime, desde que tenha havido respeito às regras do jogo, pois se trata de exercício regular de direito.

1.5.4. Intervenção cirúrgica
Se a cirurgia não é de emergência, o médico deve obter o consentimento do paciente ou do seu representante legal. Trata-se, quando há consentimento, de exercício regular de direito.
Se a cirurgia for de urgência, o agente estará acobertado pelo estado de necessidade em favor de terceiro.

 

1.6. Lesão Grave  –  Artigo 129, § 1.º, do Código Penal


1.6.1. Inciso I – se resulta incapacidade para as ocupações habituais por mais de 30 dias
É necessário o exame complementar, realizado no primeiro dia após o período de 30 dias, para comprovar a materialidade da lesão grave (artigo 168, § 2.º, do Código de Processo Penal). O prazo de 30 dias é contado nos termos do artigo 10 do Código Penal.
Ocupação habitual é qualquer atividade rotineira na vida da vítima, tal como estudar, andar, praticar esportes etc., exceto a considerada ilícita. No caso de atividade lícita, mas imoral, haverá lesão grave (exemplo: incapacitar prostituta de manter relações sexuais).
Se a vítima deixar de praticar atividades rotineiras, por sentir vergonha, não há se falar em incapacidade.
Trata-se de um exemplo de crime a prazo.
O resultado agravador pode ser culposo ou doloso.

1.6.2. Inciso II –  se resulta perigo de vida
É uma hipótese preterdolosa, pois o sujeito não quer a morte. Se o agente queria o resultado morte, responderá por tentativa de homicídio.
O perito deve dizer claramente em que consistiu o perigo de vida (exemplo: houve perigo de vida porque a vítima perdeu muito sangue etc.), e o Promotor de Justiça deve transcrever na denúncia.

1.6.3. Inciso III se resulta debilidade permanente de membro, sentido ou função.
Membros são os apêndices do corpo (braços e pernas). Exemplo: cortar o tendão do braço, causando perda parcial do membro.
Os sentidos são o tato, o olfato, a visão, o paladar e a audição. Exemplo: diminuição da capacidade de enxergar, ouvir etc.
A função consiste no funcionamento de órgãos ou aparelhos do corpo humano (exemplo: função respiratória, função reprodutora).
A debilidade é o enfraquecimento, a diminuição, a redução da capacidade funcional. A debilidade deve ser permanente, ou seja, de recuperação incerta e improvável e cuja cessação eventual ocorrerá em data incalculável (permanente não é a mesma coisa que perpétua).
A debilidade não se confunde com a perda ou inutilização do membro, sentido ou função, hipóteses de lesão corporal gravíssima, disciplinadas no § 2.º.

1.6.4. Inciso IV – aceleração do parto
Caracteriza-se pela antecipação da data do nascimento. Pressupõe o nascimento com vida. Para evitar a responsabilidade objetiva, é necessário que o agente saiba que a mulher está grávida.

1.7. Lesão Gravíssima  –  Artigo 129, § 2.º, do Código Penal
Pena: reclusão de 2 (dois) a 8 (oito) anos.
A denominação lesão gravíssima é dada pela doutrina e jurisprudência. A lei não utiliza essa expressão, que tem a finalidade de diferenciar as lesões do § 2.º que tem pena mais severa do que o § 1.º.
Se uma lesão se enquadra em grave e gravíssima, o réu responderá pela gravíssima.

1.7.1. Inciso Ise resulta incapacidade permanente para o trabalho
É mais específico que o § 1.º, inciso I. A incapacidade deve ser permanente (a lei não diz perpétua) e deve abranger qualquer tipo de trabalho (posição majoritária). Para uma corrente minoritária, a incapacidade da vítima deve impossibilitar o trabalho que ela exercia anteriormente.
O sujeito passivo não poderá ser criança ou pessoa idosa aposentada.

1.7.2. Inciso IIse resulta enfermidade incurável
Da lesão decorre doença para a qual não existe cura.
Para uma corrente, a transmissão intencional de AIDS tipifica a tentativa de homicídio. Para outra, caracteriza lesão gravíssima, pela transmissão de moléstia incurável.

1.7.3. Inciso III – se resulta perda ou inutilização de membro, sentido ou função
A perda pode se dar:
por mutilação: ocorre pela própria ação lesiva; é o corte de uma parte do corpo da vítima (extirpação do braço, da perna, da mão etc.);
por amputação: é a extirpação feita pelo médico, posteriormente à ação, para salvar a vida da vítima.
Na inutilização, o membro permanece ligado ao corpo da vítima, ainda que parcialmente, mas totalmente inapto para a realização de sua atividade própria.
Observações:
Com relação aos membros: o decepamento de um dedo ou a perda parcial dos movimentos do braço constitui lesão grave, ou seja, mera debilidade. Havendo paralisia total, ainda que seja de um só braço, ou se houver mutilação da mão, a lesão é gravíssima pela inutilização de membro.
Com relação aos sentidos: há alguns sentidos captados por órgãos duplos (visão e audição). A provocação de cegueira, ainda que completa, em um só olho, constitui apenas debilidade permanente. O mesmo ocorre com a audição.
Com relação à função: a perda ou inutilidade de função só será possível em função não vital, como por exemplo, a perda da função reprodutora, causada pela extirpação do pênis.

1.7.4. Inciso IV – se resulta deformidade permanente
Está ligado ao dano estético, causado pelas cicatrizes. Exemplo: queimadura por fogo, por ácido (vitriolagem), etc. Requisitos:
Que o dano estético seja razoável, ou seja, de uma certa monta.
Deve ser permanente, isto é, não se reverte com o passar do tempo. Se a vítima se submeter a uma cirurgia plástica e houver a correção, desclassifica-se o delito. Se a cirurgia plástica for possível, mas a vítima não a fizer, persiste o crime, pois a vítima não está obrigada a fazer a cirurgia. Se a deformidade surgiu de um erro médico, há dois crimes (lesão dolosa em relação ao primeiro e lesão culposa em relação ao médico).
Que a deformidade seja visível.
Que seja capaz de provocar impressão vexatória. A deformidade estética deve ser algo que reduza a beleza física da vítima.

1.7.5. Inciso V – se resulta aborto
Aborto é a interrupção da gravidez, com a consequente morte do produto da concepção.
Trata-se de qualificadora preterdolosa. Há dolo na lesão e culpa em relação ao aborto. Se houver dolo também em relação ao aborto, o agente responde por lesão corporal em concurso formal imperfeito com aborto (artigo 70, caput, parte final). Há, por fim, hipótese do agente que quer provocar o aborto e, culposamente, causa lesão grave na mãe (artigo 127 do Código Penal).
É necessário que o agente saiba que a mulher está grávida. Isso para evitar a chamada responsabilidade objetiva (artigo 19 do Código Penal).

1.8. Lesão Corporal Seguida de Morte – Artigo 129, § 3.º, do Código Penal
Pena: reclusão de 4 (quatro) a 12 (doze) anos.
É também um crime preterdoloso no qual há dolo na lesão e culpa no resultado morte. O agente não prevê a morte, que era previsível. Por ser preterdoloso, não admite tentativa.
Se não houver dolo na agressão (lesão), trata-se de homicídio culposo.
Caracterizará progressão criminosa se houver dolo inicial de lesão e, durante a execução, o agente resolver matar a vítima. Nesse caso, responderá pelo homicídio doloso (crime mais grave).

1.9. Lesão Corporal Privilegiada – Artigo 129, § 4.º, do Código Penal
As hipóteses de privilégio das lesões corporais são as mesmas do homicídio privilegiado. O privilégio só se aplica nas lesões dolosas. É uma causa de redução de pena de 1/6 a 1/3.

1.10. Substituição da Pena - Artigo 129, § 5.o, do Código Penal
“O juiz, não sendo graves as lesões, pode ainda substituir a pena de detenção pela de multa”, nas seguintes hipóteses:
quando estiver presente uma das causas de privilégio (tratando-se de lesão corporal leve privilegiada, o juiz poderá reduzir a pena restritiva de liberdade ou substituí-la por multa);
quando as lesões forem recíprocas (sem que um dos agentes tenha agido em legítima defesa).


1.11. Lesão Corporal Culposa – Artigo 129, § 6.º, do Código Penal
Aplicam-se todos os institutos do homicídio culposo, inclusive os que se referem às causas de aumento de pena e também às regras referentes ao perdão judicial (§§ 7.º e 8.º do artigo 129 do Código Penal).
A pena para lesão culposa é de 2 (dois) meses a 1 (um) ano de detenção.
No Código de Trânsito Brasileiro (artigo 303), porém, a lesão corporal culposa, com o agente na direção de veículo automotor, recebe pena de detenção de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos e suspensão da habilitação.
A composição quanto aos danos civis extingue a punibilidade, tanto da lesão culposa do Código Penal quanto do Código de Trânsito Brasileiro. Exige-se representação, porque a ação penal é pública condicionada. Na lesão culposa, não há figura autônoma decorrente da gravidade da lesão cujo grau (leve, grave ou gravíssimo) é irrelevante para caracterizar lesão corporal culposa, afetando apenas a tipificação da pena em concreto.


1.12 Majorantes da lesão corporal (§ 7º)

Vide as anotações do art. 121, § 4º. São as mesmas hipóteses previstas para o homicídio.

1.13 Isenção de pena ou perdão judicial

O § 8º do art. 129, que disciplina o crime de lesões corporais, prescreve que, em se tratando de lesão culposa, aplica-se o “perdão judicial”, exatamente nos mesmos termos em que está previsto para o homicídio culposo. A gravidade das consequências deve ser aferida em função da pessoa do agente, não se admitindo aqui critérios objetivos.


1.14 Violência doméstica (§ 9º): adequação típica

A Lei n. 10.886/2004 acrescentou o § 9º ao art. 129, trazendo uma nova figura penal típica, a violência doméstica, que se caracteriza quando o agente da lesão corporal mantém alguma relação de parentesco ou de convivência com a vítima, nos termos descritos pela norma penal incriminadora, e se prevalece das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade.
Convém destacar que referida tipificação não foi criada ou elaborada pela Lei Maria da Penha, que se limitou a alterar a respectiva sanção penal da disposição que já existia desde 2004 (Lei n. 10.886/2004), mantendo, por sua vez, intacto o preceito primário.


1.15 Violência doméstica: bem jurídico tutelado

Bem jurídico protegido por essa figura típica, não se limita à integridade corporal e à saúde da pessoa humana (incolumidade e normalidade fisiológica e psíquica), mas abrange também, fundamentalmente, a harmonia, a solidariedade, o respeito e a dignidade que orientam e fundamentam a célula familiar.


1.16 Lesão corporal e “vias de fato”: distinção

Considerando que a conduta tipificada limita-se a criminalizar a lesão, que outra coisa não é senão a lesão corporal leve, eventuais vias de fato, por si sós, não configuram essa infração penal. Vias de fato, segundo doutrina e jurisprudência, caracterizam-se pela prática de atos agressivos, sem animus vulnerandi, dos quais não resultem danos corporais. Aliás, é exatamente a inexistência de lesões corporais, aliada à ausência de animus laedendi, que caracteriza a ofensa como vias de fato. Em outros termos, pode-se considerar vias de fato a ação violenta contra alguém com a intenção de causar-lhe um mal físico, sem, contudo, feri-lo. Em síntese, para as pretensões da Lei Maria da Penha, que discrimina o tratamento dispensado à mulher, “vias de fato” efetivamente pode representar uma violência (aliás, é uma violência não apenas contra a mulher), mas não tipifica o crime de violência doméstica, nos termos em que esta foi insculpida no § 9º do art. 129 do Código Penal, sob pena de se violentar o princípio da tipicidade estrita.


1.17 Natureza da ação penal no crime de “violência doméstica”

De que é crime de ação pública não resta a menor dúvida, mas será condicionada ou incondicionada? Afinal, de que crime estamos tratando? Violência doméstica ou lesão corporal leve? Se admitirmos que se trata somente de um tipo especial de lesão corporal leve, evidentemente que a ação penal será pública condicionada, nos termos do art. 88 da Lei n. 9.099/95. Contudo, se sustentarmos que a violência doméstica é um crime autônomo, distinto do crime de lesão corporal, inegavelmente a ação penal será pública incondicionada.


1.18 Causa de aumento de pena (§ 10)

Aproveitou o legislador de 2004 para criar a majorante de um terço para os casos dos §§ 1º a 3º do mesmo artigo, se as circunstâncias forem as mesmas (§ 10). Com efeito, se da violência doméstica resultar lesão corporal de natureza grave, gravíssima ou seguida de morte, a pena prevista nos §§ 1º, 2º ou 3º, conforme o caso, aumentasse de um terço.


1.19 Pessoa portadora de deficiência: majoração de pena

O legislador criou uma nova majorante (elevação em um terço), quando a lesão corporal doméstica for cometida “contra pessoa portadora de deficiência” (§ 11), acrescida pela Lei n. 11.340/2006.




2. PERIGO DE CONTÁGIO VENÉREO  - ART130

2.1 Bem jurídico tutelado

O bem jurídico protegido é a incolumidade física e a saúde da pessoa humana. A existência, harmonia e prosperidade da coletividade estão condicionadas à saúde, segurança e bem-estar de cada um de seus membros, e, por isso, são objeto do interesse público.


2.2 Sujeitos do crime

Sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, homem ou mulher, desde que sejam portadores de moléstia venérea. Estar contaminado ou portar moléstia venérea é uma condição particular exigida por este tipo penal. A ausência dessa “condição” torna atípica a conduta do agente, ainda que aja com dolo de expor o ofendido à contaminação.
Sujeito passivo também pode ser qualquer ser humano, sem qualquer condição particular. 

2.3 Tipo objetivo: adequação típica

A ação consiste em expor (colocar em perigo) a contágio de moléstia venérea de que sabe ou devia saber ser portador. O perigo deve ser direto e iminente, isto é, concreto, demonstrado e não presumido.
O meio de exposição a contágio venéreo é somente através de relações sexuais ou qualquer outro ato libidinoso.
Não há crime de perigo de contágio venéreo se o perigo provier de qualquer outra ação física, como, por exemplo, ingestão de alimentos, aperto de mão, amamentação, uso de utensílios domésticos etc. É indispensável a existência de contato pessoal entre os sujeitos
ativo e passivo.
Se a moléstia venérea for grave, mas o ato não for libidinoso, ou se o ato for libidinoso, mas a moléstia não for venérea, tipificará o crime do art. 131 e não deste.

2.4 Tipo penal aberto e norma penal em branco

A definição de moléstia venérea compete à medicina. Assim, são admitidas como moléstias venéreas, para efeitos penais, somente aquelas que o Ministério da Saúde catalogar como tais.

2.5 Tipo subjetivo: adequação típica

Este tipo penal contém três figuras distintas: a) o agente sabe que está contaminado; b) não sabe, mas deveria saber que está contaminado; c) sabe que está contaminado e tem a intenção de transmitir a moléstia (§ 1º). Dessa distinção se origina a diversidade de elemento subjetivo: 1ª) (de que sabe) dolo de perigo, direto ou eventual; 2ª) (deve saber) dolo eventual de perigo: aqui a culpa é equiparada ao dolo eventual, para fins de reprovação.
Se o agente contaminado procura evitar a transmissão da moléstia, usando preservativos, por exemplo, estará, com certeza, afastando o dolo. Com esse comportamento, se sobrevier eventual contaminação, em tese, não deverá responder sequer por lesão corporal culposa, pois tomou os cuidados objetivos requeridos, nas circunstâncias.

2.6 Consumação e tentativa

O crime de perigo de contágio venéreo consuma-se com a prática de atos de libidinagem (conjunção carnal ou não), capazes de transmitir a moléstia venérea, independentemente do contágio, que poderá ou não ocorrer. Atos de libidinagem podem ser representados pelas relações sexuais ou outros atos libidinosos diversos daquelas. Efetiva contaminação: exaurimento

2.7 Ação penal

O crime de perigo de contágio venéreo é de ação pública condicionada à representação, da vítima ou de seu representante legal. A representação do ofendido constitui somente uma condição de procedibilidade, também denominada pressuposto processual. O fundamento da condicionabilidade da ação penal reside na natureza da infração penal e que pode trazer danos nefastos ao ofendido, seja no seio familiar seja no social.



3.PERIGO DE CONTÁGIO DE MOLÉSTIA GRAVE  - ART 131

3.1 Bem jurídico tutelado

O bem jurídico protegido é a incolumidade física e a saúde da pessoa humana. Apresenta particularidade relativamente ao meio através do qual o bem jurídico pode ser atingido: contágio de moléstia grave.

3.2 Sujeitos do crime

Sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, homem ou mulher, desde que esteja contaminado por moléstia grave e contagiosa. A exemplo da exigência do artigo anterior, estar contaminado de moléstia grave é uma condição particular exigida pelo tipo penal (a diferença é que para aquele tipo importa somente a moléstia venérea; para este, é indiferente a natureza da moléstia, desde que seja grave).
Sujeito passivo, igualmente, pode ser qualquer pessoa, desde que não esteja contaminada por igual moléstia.

3.3 Tipo objetivo: adequação típica

A ação típica punível é praticar, isto é, realizar ato capaz de transmitir moléstia grave. A transmissão pode ocorrer através de qualquer ato (inclusive libidinoso, desde que a moléstia grave não seja venérea), desde que capaz de produzir o contágio. O ato praticado precisa ter idoneidade para a transmissão e a moléstia além de grave deve ser contagiosa.
E se os objetos ou coisas que o agente utilizar, com o fim de transmitir moléstia grave, estiverem infectados por micróbios ou germes dos quais não é portador? Responderá pelo crime descrito no art. 131? Certamente não, pois falta a elementar típica “de que está contaminado”. Poderá, eventualmente, configurar o crime do art. 132 ou, se o contágio se concretizar, quem sabe, o crime de lesão corporal, dependendo
das circunstâncias.

3.4 Moléstia grave e contagiosa

O texto legal refere-se à transmissão de “moléstia grave”, sem definir ou exemplificar o que deve ser entendido por moléstia grave, que, à evidência, deve ser contagiosa, isto é, transmissível. Mas essa omissão do legislador não implica norma penal em branco. Não será, com efeito, o regulamento da ONU ou do Ministério da Justiça que determinará a gravidade ou contagiosidade de uma ou outra moléstia.

3.5 Perigo concreto

O perigo de contágio de moléstia grave deve ser concreto, logo, precisa ser efetivamente comprovado. A gravidade da moléstia, bem como a sua contagiosidade e a relação de causalidade entre a conduta do agente e o perigo concreto de contágio, tem de ser pericialmente comprovado. São moléstias graves e contagiosas, dentre outras, AIDS, varíola, tuberculose, cólera, lepra, tifo, independentemente de constarem de Regulamento do Ministério da Saúde.

3.6 Tipo subjetivo

Estamos diante de um crime de perigo com dolo de dano, que só se caracteriza quando o agente pratica a ação e quer transmitir a moléstia. Em outros termos, o tipo subjetivo do crime de perigo de contágio de moléstia grave compõe-se do (a) dolo direto — que é o elemento subjetivo geral do tipo — e do (b) elemento subjetivo especial do injusto — representado pelo especial fim de agir, que é a intenção
de transmitir a moléstia grave.

3.7 Consumação e tentativa

O crime de perigo de contágio de moléstia grave consuma-se com a prática do ato idôneo para transmitir a moléstia, sendo indiferente a ocorrência efetiva da transmissão, que poderá ou não ocorrer. A efetiva contaminação do ofendido constituirá simples exaurimento do crime de perigo de contágio de moléstia grave.

3.8 Crime comissivo e omissivo


O verbo núcleo “praticar” exige atividade, o que caracteriza um tipo comissivo, embora, excepcionalmente, possa receber a forma omissiva, quando, por exemplo, a mãe contaminada por moléstia grave e contagiosa permite que o filho a toque, com a intenção de transmitir-lhe a moléstia. 

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