1.
LESÕES CORPORAIS – ARTIGO 129 DO CÓDIGO PENAL
Artigo 129, caput, do Código Penal:
“ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem”.
Ofensa
à integridade corporal consiste no dano anatômico prejudicial ao corpo humano.
Exemplo: corte, queimadura, mutilações etc.
Observações:
- Equimose: É a mancha roxa que fica na pele
(rompimento dos vasos sanguíneos sob a pele). Constitui lesão.
- Hematoma: equimose onde houve um extravasamento
de sangue maior, ocorrendo um inchaço. Caracteriza lesão.
- Eritema: vermelhidão
passageira na pele provocada por um tapa, um beliscão. Não constitui lesão. Se
o agente provoca eritema na vítima, responderá por tentativa de lesão corporal
se sua intenção era lesioná-la. Se, entretanto, o agente não tinha intenção de
machucar a vítima, responderá pela contravenção de vias de fato.
- Dor: a dor, por
si só, não é lesão.
- Corte não
autorizado de cabelo ou barba: caracteriza lesão corporal, salvo se a intenção
do agente for a de humilhar a vítima, quando será caracterizada injúria real.
Ofensa
à saúde é a provocação de perturbações de caráter psicológico e/ou fisiológico.
Exemplo: transmitir intencionalmente uma doença, paralisia momentânea, provocar
vômitos etc.
A
provocação de mais de uma lesão em um mesmo contexto caracteriza crime único.
1.1. Sujeito Ativo
Qualquer
pessoa, exceto o próprio ofendido. Saliente-se que a lei não pune a autolesão.
A autolesão pode, entretanto, constituir crime de outra natureza, tais como
autolesão para receber seguro (artigo 171, § 2.º, inciso V, do Código Penal),
ou criação de incapacidade para frustrar a incorporação militar (artigo 184 do
Código Penal Militar).
1.2. Sujeito Passivo
Qualquer
pessoa, salvo nas hipóteses em que a vítima só poderá ser mulher grávida.
1.3. Consumação
No momento da ofensa à integridade
física ou à saúde.
1.4. Tentativa
É possível. A tentativa de lesão
corporal difere da contravenção de vias de fato (artigo 21 da Lei de
Contravenções Penais), pois, na contravenção o agente não tem intenção de
lesionar a vítima (exemplo: empurrão). Se o agente emprega violência
ultrajante, com intenção de humilhar a vítima, estamos diante do crime de
injúria real (artigo 140, § 2.º, do Código Penal).
Se
o agente agride sem a intenção de lesionar, mas lesiona, ocorre a lesão
corporal culposa, que afasta as vias de fato.
1.5.
Lesão Leve
Por exclusão, é toda lesão que não for
grave nem gravíssima. Pena: detenção de 3 (três) meses a 1 (um) ano. A lesão
corporal leve é infração de menor potencial ofensivo.
1.5.1. Concurso de
crimes
Em
muitos crimes, como no roubo, por exemplo, a violência é utilizada como meio de
execução. O que ocorrerá se da violência decorrer lesão leve?
No
silêncio da lei a respeito do resultado violência, conclui-se que a lesão leve
fica absorvida (exemplo: roubo, extorsão, estupro, crime de tortura etc.). Se,
no entanto, a lei expressamente ressalvar a aplicação autônoma do resultado da
violência, o agente responderá pelos dois crimes, sendo somadas as penas
(exemplo: injúria real, constrangimento ilegal, dano qualificado, exercício
arbitrário das próprias razões, resistência etc.).
1.5.2. Ação penal
O artigo 88 da Lei n. 9.099/95
transformou a lesão corporal dolosa leve em crime de ação penal pública
condicionada à representação do ofendido. A jurisprudência e a doutrina
estenderam a exigência da representação para as vias de fato.
Outra regra trazida pela Lei n.
9.099/95: para o oferecimento da denúncia não é necessário um exame de corpo de
delito, basta um boletim de ocorrência ou ficha médica.
1.5.3. Lesão decorrente de esporte
Não há crime, desde que tenha havido
respeito às regras do jogo, pois se trata de exercício regular de direito.
1.5.4. Intervenção cirúrgica
Se
a cirurgia não é de emergência, o médico deve obter o consentimento do paciente
ou do seu representante legal. Trata-se, quando há consentimento, de exercício
regular de direito.
Se
a cirurgia for de urgência, o agente estará acobertado pelo estado de
necessidade em favor de terceiro.
1.6. Lesão Grave –
Artigo 129, § 1.º, do Código Penal
1.6.1.
Inciso I – se resulta incapacidade para as ocupações habituais por mais de 30
dias
É necessário o exame complementar,
realizado no primeiro dia após o período de 30 dias, para comprovar a
materialidade da lesão grave (artigo 168, § 2.º, do Código de Processo Penal).
O prazo de 30 dias é contado nos termos do artigo 10 do Código Penal.
Ocupação habitual é qualquer atividade
rotineira na vida da vítima, tal como estudar, andar, praticar esportes etc.,
exceto a considerada ilícita. No caso de atividade lícita, mas imoral, haverá
lesão grave (exemplo: incapacitar prostituta de manter relações sexuais).
Se a vítima deixar de praticar
atividades rotineiras, por sentir vergonha, não há se falar em incapacidade.
Trata-se de um exemplo de crime a
prazo.
O resultado agravador pode ser culposo
ou doloso.
1.6.2.
Inciso II – se
resulta perigo de vida
É uma hipótese preterdolosa, pois o
sujeito não quer a morte. Se o agente queria o resultado morte, responderá por
tentativa de homicídio.
O perito deve dizer claramente em que
consistiu o perigo de vida (exemplo: houve perigo de vida porque a vítima
perdeu muito sangue etc.), e o Promotor de Justiça deve transcrever na
denúncia.
1.6.3.
Inciso III – se resulta debilidade permanente de membro,
sentido ou função.
Membros são os apêndices do corpo (braços e pernas).
Exemplo: cortar o tendão do braço, causando perda parcial do membro.
Os sentidos são o tato, o olfato, a
visão, o paladar e a audição. Exemplo: diminuição da capacidade de enxergar,
ouvir etc.
A função consiste no funcionamento de órgãos ou aparelhos
do corpo humano (exemplo: função respiratória, função reprodutora).
A debilidade é o enfraquecimento, a diminuição, a redução
da capacidade funcional. A debilidade deve ser permanente, ou seja, de
recuperação incerta e improvável e cuja cessação eventual ocorrerá em data
incalculável (permanente não é a mesma coisa que perpétua).
A debilidade não se confunde com a perda ou inutilização
do membro, sentido ou função, hipóteses de lesão corporal gravíssima,
disciplinadas no § 2.º.
1.6.4. Inciso IV – aceleração do parto
Caracteriza-se pela antecipação da
data do nascimento. Pressupõe o nascimento com vida. Para evitar a
responsabilidade objetiva, é necessário que o agente saiba que a mulher está
grávida.
1.7.
Lesão Gravíssima – Artigo 129, § 2.º, do Código Penal
Pena: reclusão de 2 (dois) a 8 (oito)
anos.
A denominação lesão
gravíssima é dada pela doutrina e jurisprudência. A lei não utiliza essa
expressão, que tem a finalidade de diferenciar as lesões do § 2.º que tem pena
mais severa do que o § 1.º.
Se uma lesão se
enquadra em grave e gravíssima, o réu responderá pela gravíssima.
1.7.1.
Inciso I – se resulta incapacidade permanente para o
trabalho
É mais específico que o § 1.º, inciso
I. A incapacidade deve ser permanente (a lei não diz perpétua) e deve abranger
qualquer tipo de trabalho (posição majoritária). Para uma corrente minoritária,
a incapacidade da vítima deve impossibilitar o trabalho que ela exercia
anteriormente.
O sujeito passivo não poderá ser
criança ou pessoa idosa aposentada.
1.7.2.
Inciso II – se resulta enfermidade incurável
Da lesão decorre
doença para a qual não existe cura.
Para uma corrente, a
transmissão intencional de AIDS tipifica a tentativa de homicídio. Para outra,
caracteriza lesão gravíssima, pela transmissão de moléstia incurável.
1.7.3. Inciso III – se resulta perda ou inutilização de
membro, sentido ou função
A perda pode se dar:
por
mutilação: ocorre pela própria ação lesiva; é o corte de uma parte do corpo da
vítima (extirpação do braço, da perna, da mão etc.);
por
amputação: é a extirpação feita pelo médico, posteriormente à ação, para salvar
a vida da vítima.
Na inutilização, o membro permanece
ligado ao corpo da vítima, ainda que parcialmente, mas totalmente inapto para a
realização de sua atividade própria.
Observações:
Com relação aos
membros: o decepamento de um dedo ou a perda parcial dos movimentos do braço
constitui lesão grave, ou seja, mera debilidade. Havendo paralisia total, ainda
que seja de um só braço, ou se houver mutilação da mão, a lesão é gravíssima
pela inutilização de membro.
Com relação aos
sentidos: há alguns sentidos captados por órgãos duplos (visão e audição). A
provocação de cegueira, ainda que completa, em um só olho, constitui apenas
debilidade permanente. O mesmo ocorre com a audição.
Com relação à
função: a perda ou inutilidade de função só será possível em função não vital,
como por exemplo, a perda da função reprodutora, causada pela extirpação do
pênis.
1.7.4. Inciso IV – se resulta deformidade permanente
Está ligado ao dano estético, causado
pelas cicatrizes. Exemplo: queimadura por fogo, por ácido (vitriolagem), etc.
Requisitos:
Que o dano estético
seja razoável, ou seja, de uma certa monta.
Deve ser permanente,
isto é, não se reverte com o passar do tempo. Se a vítima se submeter a uma
cirurgia plástica e houver a correção, desclassifica-se o delito. Se a cirurgia
plástica for possível, mas a vítima não a fizer, persiste o crime, pois a
vítima não está obrigada a fazer a cirurgia. Se a deformidade surgiu de um erro
médico, há dois crimes (lesão dolosa em relação ao primeiro e lesão culposa em
relação ao médico).
Que a deformidade
seja visível.
Que seja capaz de
provocar impressão vexatória. A deformidade estética deve ser algo que reduza a
beleza física da vítima.
1.7.5. Inciso V – se resulta aborto
Aborto é a interrupção da gravidez,
com a consequente morte do produto da concepção.
Trata-se de qualificadora
preterdolosa. Há dolo na lesão e culpa em relação ao aborto. Se houver dolo
também em relação ao aborto, o agente responde por lesão corporal em concurso
formal imperfeito com aborto (artigo 70, caput, parte final). Há, por fim,
hipótese do agente que quer provocar o aborto e, culposamente, causa lesão grave
na mãe (artigo 127 do Código Penal).
É necessário que o agente saiba que a
mulher está grávida. Isso para evitar a chamada responsabilidade objetiva
(artigo 19 do Código Penal).
1.8.
Lesão Corporal Seguida de Morte – Artigo 129, § 3.º, do Código Penal
Pena: reclusão de 4 (quatro) a 12
(doze) anos.
É
também um crime preterdoloso no qual há dolo na lesão e culpa no resultado
morte. O agente não prevê a morte, que era previsível. Por ser preterdoloso,
não admite tentativa.
Se
não houver dolo na agressão (lesão), trata-se de homicídio culposo.
Caracterizará
progressão criminosa se houver dolo inicial de lesão e, durante a execução, o
agente resolver matar a vítima. Nesse caso, responderá pelo homicídio doloso
(crime mais grave).
1.9.
Lesão Corporal Privilegiada – Artigo 129, § 4.º, do Código Penal
As hipóteses de privilégio das lesões
corporais são as mesmas do homicídio privilegiado. O privilégio só se aplica
nas lesões dolosas. É uma causa de redução de pena de 1/6 a 1/3.
1.10.
Substituição da Pena - Artigo 129, § 5.o, do Código Penal
“O juiz, não sendo
graves as lesões, pode ainda substituir a pena de detenção pela de multa”, nas
seguintes hipóteses:
quando estiver
presente uma das causas de privilégio (tratando-se de lesão corporal leve
privilegiada, o juiz poderá reduzir a pena restritiva de liberdade ou
substituí-la por multa);
quando as lesões
forem recíprocas (sem que um dos agentes tenha agido em legítima defesa).
1.11.
Lesão Corporal Culposa – Artigo 129, § 6.º, do Código Penal
Aplicam-se todos os
institutos do homicídio culposo, inclusive os que se referem às causas de
aumento de pena e também às regras referentes ao perdão judicial (§§ 7.º e 8.º
do artigo 129 do Código Penal).
A pena para lesão culposa é de 2
(dois) meses a 1 (um) ano de detenção.
No Código de Trânsito Brasileiro
(artigo 303), porém, a lesão corporal culposa, com o agente na direção de
veículo automotor, recebe pena de detenção de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos e
suspensão da habilitação.
A composição quanto aos danos civis
extingue a punibilidade, tanto da lesão culposa do Código Penal quanto do
Código de Trânsito Brasileiro. Exige-se representação, porque a ação penal é
pública condicionada. Na lesão culposa, não há figura autônoma decorrente da
gravidade da lesão cujo grau (leve, grave ou gravíssimo) é irrelevante para
caracterizar lesão corporal culposa, afetando apenas a tipificação da pena em
concreto.
1.12 Majorantes da lesão corporal (§
7º)
Vide
as anotações do art. 121, § 4º. São as mesmas hipóteses previstas para o homicídio.
1.13 Isenção de pena ou perdão
judicial
O § 8º
do art. 129, que disciplina o crime de lesões corporais, prescreve que, em se
tratando de lesão culposa, aplica-se o “perdão judicial”, exatamente nos mesmos
termos em que está previsto para o homicídio culposo. A gravidade das
consequências deve ser aferida em função da pessoa do agente, não se admitindo
aqui critérios objetivos.
1.14 Violência doméstica (§ 9º):
adequação típica
A Lei
n. 10.886/2004 acrescentou o § 9º ao art. 129, trazendo uma nova figura penal
típica, a violência doméstica, que se caracteriza quando o agente da lesão
corporal mantém alguma relação de parentesco ou de convivência com a vítima,
nos termos descritos pela norma penal incriminadora, e se prevalece das
relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade.
Convém
destacar que referida tipificação não foi criada ou elaborada pela Lei Maria da
Penha, que se limitou a alterar a respectiva sanção penal da disposição que já
existia desde 2004 (Lei n. 10.886/2004), mantendo, por sua vez, intacto o
preceito primário.
1.15 Violência doméstica: bem jurídico
tutelado
Bem
jurídico protegido por essa figura típica, não se limita à integridade corporal
e à saúde da pessoa humana (incolumidade e normalidade fisiológica e psíquica),
mas abrange também, fundamentalmente, a harmonia, a solidariedade, o respeito e
a dignidade que orientam e fundamentam a célula familiar.
1.16 Lesão corporal e “vias de fato”:
distinção
Considerando
que a conduta tipificada limita-se a criminalizar a lesão, que outra coisa não
é senão a lesão corporal leve, eventuais vias de fato, por si sós, não
configuram essa infração penal. Vias de fato, segundo doutrina e
jurisprudência, caracterizam-se pela prática de atos agressivos, sem animus
vulnerandi, dos quais não resultem danos corporais. Aliás, é exatamente a
inexistência de lesões corporais, aliada à ausência de animus laedendi, que
caracteriza a ofensa como vias de fato. Em outros termos, pode-se considerar
vias de fato a ação violenta contra alguém com a intenção de causar-lhe um mal
físico, sem, contudo, feri-lo. Em síntese, para as pretensões da Lei Maria da
Penha, que discrimina o tratamento dispensado à mulher, “vias de fato”
efetivamente pode representar uma violência (aliás, é uma violência não apenas
contra a mulher), mas não tipifica o crime de violência doméstica, nos termos
em que esta foi insculpida no § 9º do art. 129 do Código Penal, sob pena de se
violentar o princípio da tipicidade estrita.
1.17 Natureza da ação penal no crime
de “violência doméstica”
De que
é crime de ação pública não resta a menor dúvida, mas será condicionada ou
incondicionada? Afinal, de que crime estamos tratando? Violência doméstica ou
lesão corporal leve? Se admitirmos que se trata somente de um tipo especial de
lesão corporal leve, evidentemente que a ação penal será pública condicionada,
nos termos do art. 88 da Lei n. 9.099/95. Contudo, se sustentarmos que a
violência doméstica é um crime autônomo, distinto do crime de lesão corporal,
inegavelmente a ação penal será pública incondicionada.
1.18 Causa de aumento de pena (§ 10)
Aproveitou
o legislador de 2004 para criar a majorante de um terço para os casos dos §§ 1º
a 3º do mesmo artigo, se as circunstâncias forem as mesmas (§ 10). Com efeito,
se da violência doméstica resultar lesão corporal de natureza grave, gravíssima
ou seguida de morte, a pena prevista nos §§ 1º, 2º ou 3º, conforme o caso,
aumentasse de um terço.
1.19 Pessoa portadora de deficiência:
majoração de pena
O
legislador criou uma nova majorante (elevação em um terço), quando a lesão corporal
doméstica for cometida “contra pessoa portadora de deficiência” (§ 11),
acrescida pela Lei n. 11.340/2006.
2. PERIGO DE CONTÁGIO VENÉREO - ART130
2.1 Bem jurídico tutelado
O bem
jurídico protegido é a incolumidade física e a saúde da pessoa humana. A
existência, harmonia e prosperidade da coletividade estão condicionadas à
saúde, segurança e bem-estar de cada um de seus membros, e, por isso, são
objeto do interesse público.
2.2 Sujeitos do crime
Sujeito
ativo pode ser qualquer pessoa, homem ou mulher, desde que sejam portadores de
moléstia venérea. Estar contaminado ou portar moléstia venérea é uma condição
particular exigida por este tipo penal. A ausência dessa “condição” torna
atípica a conduta do agente, ainda que aja com dolo de expor o ofendido à
contaminação.
Sujeito
passivo também pode ser qualquer ser humano, sem qualquer condição
particular.
2.3 Tipo objetivo: adequação típica
A ação
consiste em expor (colocar em perigo) a contágio de moléstia venérea de que
sabe ou devia saber ser portador. O perigo deve ser direto e iminente, isto é,
concreto, demonstrado e não presumido.
O meio
de exposição a contágio venéreo é somente através de relações sexuais ou
qualquer outro ato libidinoso.
Não há
crime de perigo de contágio venéreo se o perigo provier de qualquer outra ação
física, como, por exemplo, ingestão de alimentos, aperto de mão, amamentação,
uso de utensílios domésticos etc. É indispensável a existência de contato
pessoal entre os sujeitos
ativo e
passivo.
Se a
moléstia venérea for grave, mas o ato não for libidinoso, ou se o ato for
libidinoso, mas a moléstia não for venérea, tipificará o crime do art. 131 e
não deste.
2.4 Tipo penal aberto e norma penal em
branco
A
definição de moléstia venérea compete à medicina. Assim, são admitidas como
moléstias venéreas, para efeitos penais, somente aquelas que o Ministério da
Saúde catalogar como tais.
2.5 Tipo subjetivo: adequação típica
Este
tipo penal contém três figuras distintas: a) o agente sabe que está
contaminado; b) não sabe, mas deveria saber que está contaminado; c) sabe que
está contaminado e tem a intenção de transmitir a moléstia (§ 1º). Dessa
distinção se origina a diversidade de elemento subjetivo: 1ª) (de que sabe)
dolo de perigo, direto ou eventual; 2ª) (deve saber) dolo eventual de perigo:
aqui a culpa é equiparada ao dolo eventual, para fins de reprovação.
Se o
agente contaminado procura evitar a transmissão da moléstia, usando
preservativos, por exemplo, estará, com certeza, afastando o dolo. Com esse
comportamento, se sobrevier eventual contaminação, em tese, não deverá
responder sequer por lesão corporal culposa, pois tomou os cuidados objetivos
requeridos, nas circunstâncias.
2.6 Consumação e tentativa
O
crime de perigo de contágio venéreo consuma-se com a prática de atos de
libidinagem (conjunção carnal ou não), capazes de transmitir a moléstia
venérea, independentemente do contágio, que poderá ou não ocorrer. Atos de
libidinagem podem ser representados pelas relações sexuais ou outros atos
libidinosos diversos daquelas. Efetiva contaminação: exaurimento
2.7 Ação penal
O
crime de perigo de contágio venéreo é de ação pública condicionada à
representação, da vítima ou de seu representante legal. A representação do
ofendido constitui somente uma condição de procedibilidade, também denominada
pressuposto processual. O fundamento da condicionabilidade da ação penal reside
na natureza da infração penal e que pode trazer danos nefastos ao ofendido,
seja no seio familiar seja no social.
3.PERIGO DE CONTÁGIO DE MOLÉSTIA GRAVE
- ART 131
3.1 Bem jurídico tutelado
O bem
jurídico protegido é a incolumidade física e a saúde da pessoa humana.
Apresenta particularidade relativamente ao meio através do qual o bem jurídico
pode ser atingido: contágio de moléstia grave.
3.2 Sujeitos do crime
Sujeito
ativo pode ser qualquer pessoa, homem ou mulher, desde que esteja contaminado
por moléstia grave e contagiosa. A exemplo da exigência do artigo anterior,
estar contaminado de moléstia grave é uma condição particular exigida pelo tipo
penal (a diferença é que para aquele tipo importa somente a moléstia venérea;
para este, é indiferente a natureza da moléstia, desde que seja grave).
Sujeito
passivo, igualmente, pode ser qualquer pessoa, desde que não esteja contaminada
por igual moléstia.
3.3 Tipo objetivo: adequação típica
A ação
típica punível é praticar, isto é, realizar ato capaz de transmitir moléstia
grave. A transmissão pode ocorrer através de qualquer ato (inclusive
libidinoso, desde que a moléstia grave não seja venérea), desde que capaz de
produzir o contágio. O ato praticado precisa ter idoneidade para a transmissão
e a moléstia além de grave deve ser contagiosa.
E se
os objetos ou coisas que o agente utilizar, com o fim de transmitir moléstia
grave, estiverem infectados por micróbios ou germes dos quais não é portador?
Responderá pelo crime descrito no art. 131? Certamente não, pois falta a
elementar típica “de que está contaminado”. Poderá, eventualmente, configurar o
crime do art. 132 ou, se o contágio se concretizar, quem sabe, o crime de lesão
corporal, dependendo
das
circunstâncias.
3.4 Moléstia grave e contagiosa
O
texto legal refere-se à transmissão de “moléstia grave”, sem definir ou
exemplificar o que deve ser entendido por moléstia grave, que, à evidência,
deve ser contagiosa, isto é, transmissível. Mas essa omissão do legislador não
implica norma penal em branco. Não será, com efeito, o regulamento da ONU ou do
Ministério da Justiça que determinará a gravidade ou contagiosidade de uma ou
outra moléstia.
3.5 Perigo concreto
O
perigo de contágio de moléstia grave deve ser concreto, logo, precisa ser
efetivamente comprovado. A gravidade da moléstia, bem como a sua contagiosidade
e a relação de causalidade entre a conduta do agente e o perigo concreto de
contágio, tem de ser pericialmente comprovado. São moléstias graves e
contagiosas, dentre outras, AIDS, varíola, tuberculose, cólera, lepra, tifo,
independentemente de constarem de Regulamento do Ministério da Saúde.
3.6 Tipo subjetivo
Estamos
diante de um crime de perigo com dolo de dano, que só se caracteriza quando o
agente pratica a ação e quer transmitir a moléstia. Em outros termos, o tipo
subjetivo do crime de perigo de contágio de moléstia grave compõe-se do (a)
dolo direto — que é o elemento subjetivo geral do tipo — e do (b) elemento
subjetivo especial do injusto — representado pelo especial fim de agir, que é a
intenção
de
transmitir a moléstia grave.
3.7 Consumação e tentativa
O
crime de perigo de contágio de moléstia grave consuma-se com a prática do ato
idôneo para transmitir a moléstia, sendo indiferente a ocorrência efetiva da
transmissão, que poderá ou não ocorrer. A efetiva contaminação do ofendido constituirá
simples exaurimento do crime de perigo de contágio de moléstia grave.
3.8 Crime comissivo e omissivo
O
verbo núcleo “praticar” exige atividade, o que caracteriza um tipo comissivo,
embora, excepcionalmente, possa receber a forma omissiva, quando, por exemplo,
a mãe contaminada por moléstia grave e contagiosa permite que o filho a toque,
com a intenção de transmitir-lhe a moléstia.
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